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Direitos indígenas: situação de povos transfronteiriços foi destaque do terceiro painel

Simpósio “Desafios e perspectivas sobre temas atuais dos direitos indígenas no Brasil”, realizado em 12 e 13 de abril, contou com quatro mesas de debates
publicado: 18/04/2018 15h29 última modificação: 19/04/2018 15h44
Exibir carrossel de imagens O Painel III se discutiu como os governos podem adaptar-se para garantir direitos aos povos da fronteira.

O Painel III se discutiu como os governos podem adaptar-se para garantir direitos aos povos da fronteira.

A mobilidade dos povos indígenas em seus territórios tradicionais nem sempre obedece às fronteiras dos Estados Nacionais. No terceiro painel do Simpósio “Desafios e perspectivas sobre temas atuais dos direitos indígenas no Brasil”, na tarde de sexta-feira (13/04), discutiu-se como os governos podem adaptar-se para garantir direitos aos povos da fronteira. O debate foi realizado no auditório Pedro Jorge I da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU).   

“Aos povos indígenas transfronteiriços, a mobilidade no território ancestral é essencial para a manutenção da sua cultura, da sua identidade e consequentemente da sobrevivência digna”. Com essas palavras, o desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) Antônio de Souza Prudente resumiu sua exposição. O magistrado, que foi mediador da mesa, relatou aos presentes a experiência de quem atua no tribunal de segunda instância, responsável pela jurisdição de quase 80% do território nacional. O TRF1 abrange ações civis que atingem os quatro maiores biomas do Brasil, sobretudo a Amazônia Legal. Ele destacou normas da ONU e da OIT (artigo 32 da Convenção 169) que asseguram aos povos o direito de trânsito nos territórios ancestrais.

Crise venezuelana – A migração de indígenas Warao, habitantes do Caribe venezuelano, ao Brasil foi detalhadamente abordada pelo procurador da República em Roraima José Gladston. A migração ficou mais evidente em 2016 e 2017. Segundo ele, a presença de indígenas em situação de rua (em sinais de trânsito e em praças públicas) fez com que a população de Boa Vista passasse a rechaçar a presença deles na capital roraimense.

O procurador avaliou que os órgãos de governo não souberam lidar com a situação, e se viu como primeira medida a deportação de cerca de 400 pessoas. “Os indígenas foram levados à Polícia Federal pela Polícia Militar e pela Guarda Municipal para que retornassem à Venezuela”. Ele contou que a atuação do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública da União impediram a deportação coletiva, prática ilegal no Brasil. 

José Gladston afirmou ainda que a intenção dos Warao não é fixação permanente no País. “O objetivo de boa parte deles é buscar recursos econômicos no Brasil e retornar às terras venezuelanas. Este é um movimento pendular que eles já costumavam fazer em cidades com terras tradicionais”. Outra solução relatada foi a criação de abrigos, porém, nesses espaços, também estavam outros migrantes venezuelanos não indígenas, e problemas de representação e de mistura de grupos opostos acabaram gerando conflitos.

Povos Wapichana e Yanomami – Gladston também comentou a mobilidade dos indígenas Wapichana, que transitam entre a Guiana e o Brasil. Ele explicou que a criação da fronteira entre os países foi fixada no começo do século XX. “No entanto, naquele momento, aquele povo já estava espalhado na região. As fronteiras foram impostas artificialmente a eles, que entendiam se tratar simplesmente de um rio que podiam atravessar”. Ele também citou os Yanomami como povos tradicionalmente nômades e que transitam entre fronteiras. 

O procurador da República citou alguns entraves pelos quais passam esses indígenas, como regularização documental, vulnerabilidade econômica e social e discriminação. Ele frisou que as normas legais atualmente vigentes não contemplam as especificidades da situação daquelas pessoas. “Eles passam por graves ameaças de direitos humanos em seu território de origem, e a proteção por meio do refúgio foi uma das soluções encontradas para evitar nova deportação forçada”.

Ao concluir sua participação, Gladston disse que o caso mostra a necessidade de soluções criativas por parte de agentes de governo, sociedade civil e órgãos do sistema de justiça a fim de evitar ilegalidades e garantir a fruição de direitos fundamentais por indígenas transfronteiriços.

Em sua apresentação, a pesquisadora Érica Yamada mostrou uma síntese de estudos que realizou como coordenadora de pesquisa pela Organização Internacional de Migrações (OIM). A perita também trouxe dados da migração indígena em Roraima. As recomendações para atenção no acolhimento desses indígenas migrantes foram tomadas com base em entrevistas com associações indígenas, sociedade civil e agentes de Estado de Boa Vista e Pacaraima. Ela destacou que as soluções governamentais propostas devem estar acompanhadas de uma consulta efetiva aos povos e alertou que estratégias de oferta de casas, empregos e escolas – que tendem a forçar uma fixação dessas populações – podem levar à perda das dinâmicas de vida tradicionais dos grupos transfronteiriços de Roraima.

Interdisciplinaridade – O procurador da República Ricardo Pael chamou a atenção dos participantes para a transversalidade da temática indígena. Além do trabalho com demarcação de terras indígenas, consulta prévia e defesa de direitos sociais, a atuação dos procuradores com essas populações muitas vezes demanda ações nas áreas criminal e de improbidade administrativa.

Pael destacou que o Brasil tem 17 mil quilômetros de fronteiras não marítimas. Ao longo dessa extensão, há uma grande variedade de situações que envolvem indígenas transfronteiriços. Ele explicou que não se trata simplesmente de indígenas que moram perto ou na fronteira, mas de populações que transitam constantemente por esses limites.

O procurador chamou atenção para a situação dos Guarani, que habitam a fronteira do Brasil com o Paraguai. Ele disse que entrou em contato com as demandas de acesso a políticas públicas pelos povos em Ponta Porã-MS. Alguns dos problemas encontrados foram a falta de escolas e de postos de saúde e a insegurança alimentar. De acordo com o painelista, muitas das dificuldades de acesso aos serviços públicos eram ocasionadas pela falta de documentação. Ele alega que a invisibilidade dos povos é deliberadamente forjada pela burocracia administrativa e pela cultura local. “Registros tardios de indígenas acabam sendo dificultados por cartórios e registros de nascimento que não são emitidos por hospitais”, complementou.

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