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Simpósio em Brasília promove amplo debate sobre os direitos de doentes mentais infratores

Com enfoque nas consequências da desassistência e no tratamento dispensado aos portadores de transtorno mental que cometem crimes, a atividade aprofundou as discussões sobre direito à saúde. Participantes ressaltaram a necessidade de mudanças urgentes na legislação e no atendimento.
publicado: 11/05/2009 11h31 última modificação: 31/03/2017 17h21

Promovido esta semana em São Paulo e Brasília, o simpósio Justiça e Saúde Mental – Loucura: o insano sistema de saúde mental apresentou, por meio de abordagens multidisciplinares, quadros alarmantes do atendimento prestado pela justiça e pelos órgãos de saúde aos doentes mentais infratores. Com palestras e painéis temáticos, o simpósio buscou aprofundar as discussões sobre direito à saúde nos sistemas de saúde e judicial.

 

As consequências da desassistência e o tratamento dispensado aos infratores com transtorno mental grave tiveram enfoque especial. Médicos, membros do Ministério Público, especialistas em direito e em psiquiatria debateram as medidas de segurança, as legislações penal e de saúde e a estrutura das instituições responsáveis por atender, tratar e reabilitar os reconhecidamente insanos. As opiniões foram unânimes: é necessário mudar o sistema, e com urgência.

 

Na capital federal, a Procuradoria Geral da República (PGR) e a Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr) sediaram a atividade. Na PGR, a programação foi dividida em duas etapas. Durante a manhã, na abertura dos trabalhos, o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, destacou a importância do enfoque multidisciplinar aplicado às discussões do evento. “Este simpósio lançará luzes sobre as questões relacionadas às abordagens terapêutica e jurídica da doença mental”, disse. Participaram da solenidade a procuradora federal dos direitos do cidadão, Gilda Carvalho, o subprocurador-geral da República e coordenador da Câmara Criminal do MPF, Wagner Gonçalves, o diretor-geral da ESMPU, Rodrigo Janot, e o presidente da APBr, Antonio Geraldo da Silva.

 

O jornalista Pete Earley, autor do livro Loucura: a busca de um pai no insano sistema de saúde mental, ministrou a primeira palestra. Com base na experiência de ter um filho com doença mental envolvido em um crime, o escritor norte-americano apresentou um quadro perturbador do tipo de assistência e de tratamentos prestados pela justiça e pelo sistema de saúde nos EUA aos infratores dessa natureza. Pete elogiou o evento por reunir pessoas comprometidas em apresentar propostas de mudança dos sistemas de atendimento. “Espero que meu trabalho contribua para que vocês do Brasil possam evitar os erros cometidos em meu país”, alertou. A obra de Earley foi finalista do Prêmio Pulitzer de 2007 na categoria não-ficção e considerada pela crítica uma contribuição literária para a melhor compreensão das doenças mentais.

 

Na sequência, o painel “Doentes mentais infratores, direito penal e direito à saúde no Brasil” reuniu membros do MPF e especialistas das áreas jurídica e de saúde para apresentar um perfil do sistema brasileiro de assistência aos doentes mentais que cometeram crimes. Segundo a coordenadora do painel, a subprocuradora-geral da República Raquel Dodge, o diálogo entre os vários setores poderá render mudanças tanto nos tratamentos psiquiátricos quanto na legislação.

 

Quanto aos tratamentos médicos, o procurador regional da República Humberto Jacques destacou os obstáculos à inclusão do doente mental infrator no Sistema Único de Saúde (SUS). Garantido por lei, o atendimento do SUS não tem alcançado de forma integral os portadores de transtorno mental encarcerados. “Essa assistência não chega até eles por conta dos vários estigmas, do preconceito e de uma série de argumentos perversos”, criticou.

 

“É necessária uma mudança interna nos operadores do direito, não apenas uma modificação na lei ”. Com essa frase o presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Sérgio Shecaira, fechou sua palestra, clamando pela desinstitucionalização dos doentes mentais que, por falhas na aplicação das medidas de segurança, perderam a liberdade, a família e a dignidade. Integraram ainda o primeiro painel o doutor em psiquiatria José Geraldo Taborda, o procurador regional da República Douglas Fischer e o deputado federal Germano Bonow (DEM-RS), que criticou o índice crescente de fechamento de leitos psiquiátricos e a ausência de políticas públicas para substituir essa medida.

 

O tema “A saúde mental no sistema penitenciário” comandou a programação vespertina. A abertura ficou com a exibição do filme A casa dos mortos, produzido pela antropóloga Débora Diniz, pesquisadora do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis). Durante o documentário, relatos de abandono e sofrimento de pessoas internadas em manicômios judiciários brasileiros chamaram a atenção dos participantes do simpósio para a chamada eternização das medidas de segurança.

 

Esse foi o mote para que, no primeiro painel da tarde, o promotor de justiça do estado de Pernambuco Marcellus Ugiette destacasse o absurdo das penas perpétuas a que são submetidos vários portadores de transtornos mentais. “Os hospitais psiquiátricos tornaram-se penitenciárias. É preciso aplicar a justiça restaurativa no Brasil, com centros de atendimento que visem à reabilitação e à ressocialização desses inimputáveis”, explicou.

 

Para encerrar o painel, a professora de filosofia do direito Luciana Musse apresentou uma experiência bem-sucedida de atendimento aos doentes mentais infratores desenvolvida no estado de Goiás. O programa reúne Ministério Público, Judiciário e o sistema de saúde para a promoção de tratamento adequado, rápido e desburocratizado aos portadores de transtorno mental. “É preciso aplicar isso em todos os estados pois as medidas de segurança, tal qual são aplicadas hoje, ferem vários princípios fundamentais e dispositivos legais”, alertou.

 

A atividade foi uma realização do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), da 2ª. Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, da Procuradoria Geral da República, do Tribunal Regional Federal - 3ª Região, da Procuradoria Regional da República - 3ª Região e da Associação Psiquiátrica de Brasília. A ESMPU apoiou o evento. Todo o simpósio foi filmado e estará disponível na página da Escola na Internet nas próximas semanas.

 

 

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