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Ouvidor da ESMPU entrevista professor italiano juslaboralista Giancarlo Perone

Encontro ocorreu na última quarta-feira (13/4), em Roma, na Itália
publicado: 18/04/2022 19h24 última modificação: 18/04/2022 19h36

À frente da Ouvidoria da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) desde dezembro de 2021, o subprocurador-geral do Trabalho André Luís Spies conversou, na última quarta-feira, 13 de abril, com o professor italiano de Direito do Trabalho Giancarlo Perone, a fim de ampliar o intercâmbio internacional e a relação interinstitucional. Spies cursa o doutorado na Universidade de Roma La Sapienza.

O docente completa 85 anos em maio e é autor de diversas obras do Direito do Trabalho. Nascido em Roma em 1938, a trajetória como professor iniciou aos 33 anos. Nos anos 1990, participou dos trabalhos da Comissão Europeia, e nos 2000, representou o país na Organização Internacional do Trabalho (OIT). Escreveu inúmeras obras sobre os diversos temas que envolvem a matéria, como welfare, doutrina social da Igreja, saúde mental, direito comparado e sindical.

Confira a íntegra da entrevista:

Spies - O senhor nasceu às vésperas do grande conflito europeu e iniciou a vida laborativa nos anos 1960, na Câmara dos Deputados. Como era ser jovem nos anos dourados do pós-guerra? As perspectivas para quem começava eram muito diversas das de hoje, quando a preocupação com o desemprego é cada vez mais onipresente?

Perone - Eu era um bom aluno na faculdade e isso me rendeu indicação, ainda muito moço, para esse posto na Câmara, oportunidade excelente que não desperdicei. Me agradava também a política universitária, vivia entre a pesquisa e o centro acadêmico, essa foi minha formação. O concurso para professor, realizei para melhorar os ganhos e construir uma carreira. Pude acompanhar a evolução da doutrina laboral, e se produziu com muita na qualidade na Itália, nessa área. Não se pode deixar de ler, por exemplo, Alfredo Rocolli, e seu “Ideologia jurídica do fascismo”, um texto crítico que recomendo até hoje para os que querem compreender como os caminhos da História e do Direito se cruzam e ajudam a explicar o presente. E assim cheguei até aqui, cumprindo minha vocação, que é de ensinar e de aprender. Quanto aos jovens, a impressão que tenho é que sim, naqueles idos de meus verdes anos as perspectivas para eles eram mais alvissareiras, ainda que eu permaneça um otimista diante da vida.

Spies - Qual a estrutura mestra da Constituição Italiana (1948) que emergiu do pós-guerra, sob o ponto de vista geral da organização da sociedade e do ponto de vista do trabalho?

Perone - A Constituição de 1948 consagrou o ideal de uma sociedade pluralista. Não apenas com vários partidos, mas no sentido do respeito à existência das forças antagonistas, que num ambiente agora de liberdade deveriam perseguir os objetivos de uma república social. A chave, portanto, era o regime democrático. Quanto ao trabalho, deveria haver uma tutela, inclusive com a força de um sindicato liberto e protagonista, nas relações entre capital e trabalho – algo diferente do período anterior, corporativo.

Spies - Então o Direito do Trabalho italiano, a partir do final do período corporativo, libertou-se do jugo ideológico?

Perone - Os anos 1940 trouxeram a aceitação da diversidade, representada pelos liberais, católicos ou laicos, pelos comunistas, por outros vetores. As forças vivas da sociedade puderam operar, afinal, uma democracia verdadeira se faz da base, não de cima para baixo. Esquerda, até radical, conservadores mais extremados, e o importante e imprescindível centro. O trabalho teve espaço destacado na nova ordem, como valor importante para a República que iniciava. As soluções locais e autônomas, aliás, costumam ser as mais adequadas, e nesse sentido a negociação coletiva teve e tem papel importante.

Spies - O senhor trabalhou junto à Comissão Europeia e à OIT. Essas instituições mantêm um relacionamento estreito ou as atividades são estanques?

Perone - A OIT, no meu entender, deve atender às necessidades do Direito do Trabalho com mais velocidade, e sob essa premissa crescerá sua importância relativa no concerto das nações.

Spies - Em sua obra há escritos sobre os mais diversos assuntos, inclusive sobre a doutrina social da Igreja. O papa atual é uma liderança importante no mundo.

Perone - O Catolicismo veicula o elemento da fraternidade, e nesse sentido a doutrina social da Igreja tem peso relativo substancial e joga papel relevante no contexto daquilo que influencia as relações entre capital e trabalho, não apenas na Itália.

Spies - Já foi perigoso ser juslaboralista. Na Itália, foram assassinados expoentes dessa área, poucas décadas atrás.

Perone - As mortes dos professores Marco Biaggi e Massimo D’Antona, de certa forma, têm relação. O primeiro era católico e ligado aos socialistas. O segundo era comunista, aberto a reformas. Era um contexto de dispensa vetada, marco flexibilizado apenas recentemente, e com certo clima de divisão de águas. São tristes acontecimentos que revelam como o consenso, e sua busca incessante, são tarefas de primeira hora em qualquer sociedade.

Spies - O que vem pela frente em termos da regulação do trabalho? E os princípios?

Perone - Difícil dizer o que o futuro nos reserva, até porque não sou adivinho, costumo brincar. De qualquer sorte, vejo o papel do sindicato como decisivo na tutela do trabalho. Nesse particular, aliás, constato com alegria o atual e crescente intercâmbio de juristas do trabalho do Brasil e da Itália, até porque em certa medida estamos em dívida com vocês pelo conjunto da obra que legamos, em determinado período da história. Quanto aos princípios do Direito do Trabalho, vislumbro que alguns, como a proibição da modificação de cláusulas contratuais, estarão valendo sempre menos, em razão da dinâmica das relações sociais e econômicas. O panorama de hoje é muito complexo, rumando para câmbios em níveis disruptivos, dada a velocidade de certos processos. Refiro-me à revolução tecnológica, pois quanto à chamada globalização, acontecimentos históricos recentes tendem a influir no compasso que se desenhava até então, com consequências ainda a serem analisadas.

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