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Construção de nova narrativa para migração venezuelana é destaque de simpósio realizado em Boa Vista
Se antes a migração venezuelana era vista como um problema para Roraima, o simpósio “Refugiados e Migrantes em Roraima: como acolher e integrar”, realizado nesta quinta-feira (22/11), em Boa Vista, mostrou que o movimento migratório agora é visto como uma oportunidade de desenvolvimento para o Estado e para o Brasil. Esse foi o entendimento predominante entre os participantes do evento que contou com a presença de organizações internacionais, sociedade civil, órgãos municipais, estaduais e federais, estudantes e migrantes venezuelanos, indígenas e não indígenas.
A desembargadora presidente do Tribunal de Justiça de Roraima, Elaine Biachi, que acolheu a atividade no Fórum Advogado Sobral Pinto, destacou que a migração colocou Roraima no cenário nacional e internacional e atraiu diversas organizações parceiras. Para ela, o fluxo venezuelano é uma oportunidade para que o Estado se desenvolva e se torne global, podendo ser a primeira unidade da federação bilíngue.
A ideia de que movimentos migratórios devem ser vistos como oportunidade de desenvolvimento social e econômico local e nacional também foi defendida pela procuradora do Trabalho, Cristiane Sbalqueiro. Atuante na temática da inserção laboral de migrantes, Sbalqueiro ressaltou os potenciais econômicos da região, como o turismo e a exportação de frutas, atividades que podem ser exploradas com a ajuda de migrantes com ou sem formação. Para a procuradora, somente o trabalho digno é capaz de integrar e dar condições de cidadania para os migrantes que se propuseram a viver no Brasil.
A subchefe substituta de articulação e monitoramento da Casa Civil da Presidência da República, Viviane Esse, explicou que o balanço migratório no Brasil é negativo, isto é, existem mais brasileiros procurando residir e viver em outros países, do que estrangeiros que procuram viver no Brasil. Segundo ela, apesar de em Roraima esse processo ser mal visto, com disputa pelos serviços públicos, é preciso ressignificar o processo migratório.
Ainda de acordo com Viviane Esse, os migrantes querem reconstruir sua vida e ajudar o país que os recebeu e isso cria uma oportunidade de crescimento conjunto para o Brasil. Ela explica que a interiorização dos venezuelanos pode contribuir com os brasileiros por meio de envio de mão de obra qualificada para as cidades pequenas, colaborando ainda com o ensino de uma segunda língua e com a integração intercultural.
Um ano da nova Lei de Migração - Na última quarta-feira (22/11), a Lei nº 13.445/2017, conhecida como Nova Lei de Migração, que substitui o estatuto do estrangeiro, completou um ano. Segundo o procurador da República Fabiano de Moraes, a Política Migratória atual é pautada na universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos.
O procurador, que também é membro do grupo de trabalho Migrações do MPF e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, explicou que as migrações surgiram com o homo sapiens, há 130 mil anos e que é preciso pensar que as pessoas seguirão migrando. O que irá mudar, conforme Moraes, é a legislação, que pode criar mais ou menos burocracias para as pessoas e restringir mais ou menos o acesso aos direitos.
A nova lei de migração trouxe como princípios a não criminalização da migração; a impossibilidade de prisão por razões migratórias; a acolhida humanitária; o direito a reunião familiar; o acesso igualitário e livre a serviços e programas sociais; a inclusão social, laboral e produtiva do migrante por meio de políticas públicas; e o diálogo social na formulação, execução e avaliação das políticas migratórias, juntamente com a promoção de participação cidadã do migrante.
Para a defensora pública da União, Ana Luisa Zago, a política migratória deve maximizar os valores consagrado nessa nova lei, com ênfase no apoio aos Estados e Municípios, por meio de convênios, redes e compartilhamento de boas práticas. Além disso, deve ter com diretriz a simplificação de procedimentos.
Operação Acolhida e interiorização - Coordenada pela Casa Civil da Presidência da República, a Força-Tarefa Logístico Humanitária em Roraima é conjunta e interagências e tornou-se a maior ação humanitária já realizada em território nacional. Tem como objetivos recepcionar, identificar, triar, imunizar, abrigar e interiorizar migrantes em situação de vulnerabilidade. Coordenador da Força Tarefa, General Eduardo Pazuello, explica que não tem como objetivo barrar a entrada de qualquer migrante, mas sim garantir que as políticas públicas possam atendê-los de maneira efetiva. Para ele, a acolhida garante uma recepção cuidadosa e protege tanto os migrantes quanto os brasileiros.
As organizações da sociedade civil registraram que a chegada das Forças Armadas significou um grande avanço na acolhida dos venezuelanos em situação de vulnerabilidade. Segundo Irmã Clara, da Fraternidade Internacional, o trabalho em conjunto nos abrigos tem possibilitado oferecer uma resposta frente à crise humanitária e dar condições minimamente dignas aos migrantes. “Estamos dando amostra de acolhimento, que pode não ser o melhor, mas estamos aprendendo muito com essa experiência em Roraima”, acrescentou.
Próximos passos - Na visão dos palestrantes, o acolhimento está acontecendo de forma satisfatória e o próximo desafio é pensar na verdadeira integração dos migrantes. Desafio esse que se torna ainda mais complexo no caso dos Warao, etnia indígena bastante presente entre os migrantes venezuelanos.
Ao todo, são 50 mil pessoas Waraos e apenas 2 mil delas estão no Brasil. Atualmente, os Warao estão em dois abrigos exclusivos para indígenas, um em Boa Vista e outro em Pacaraima. Elaine Moreira, professora e antropóloga da Universidade de Brasília, explica que é preciso avançar nas políticas pensando na mobilidade tradicional desse grupo e que o grande desafio é pensar quais foram os problemas que os fizeram migrar e quais são as boas práticas a serem realizadas com eles.
O Warao Baldíleo Centeno esteve presente no evento e disse que estão recebendo educação e saúde que não recebiam na Venezuela. Segundo Baldíleo, o povo Warao é unido, produz e trabalha, defende a educação, sua cultura, danças e o idioma Warao. “Estamos lutando por todos, pela melhoria da vida nos nossos filhos. Meu coração sempre estará na luta para defender a comunidade que agora está no Brasil”.
A representante da Casa Civil, Viviane Esse, ainda explicou que para os migrantes não indígenas, a interiorização tem sido tratada como um pilar do processo de acolhida. Essa estratégia tem como objetivo oferecer maiores oportunidades de inserção socioeconômica aos venezuelanos e diminuir a pressão sobre os serviços públicos do estado de Roraima. Ela ressalta que a interiorização é voluntária e muito bem explicada para os migrantes.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e a Organização Internacional de Migração (OIM) têm trabalhado em conjunto com órgãos públicos federais na busca da inserção laboral dos migrantes em cidade e municípios de todo o país. As agências da ONU também são responsáveis por explicar aos migrantes como funciona a interiorização, inclusive esclarecendo detalhes como clima da cidade para qual será interiorizado e o custo de um possível retorno para Roraima, caso o migrante não se adapte à nova cidade.
De acordo com Pablo Mattos da ACNUR, 61% das pessoas se mostram dispostas a participar da interiorização, em Pacaraima. Esse número aumenta à medida que as pessoas ficam muito tempo em Boa Vista, chegando a 80% de pessoas que gostariam de participar dessa estratégia de integração. Ainda segundo o representante da ACNUR, a interiorização não acaba com a chegada do migrante na nova cidade, porque é preciso buscar formas de integração local.
Até novembro deste ano, foram interiorizados 3.123 pessoas, mas os números têm reduzido mensalmente. De acordo com Viviane Esse, ainda há um gargalo no acolhimento e é preciso ampliar o número de interiorização. Para isso, faz-se necessário uma força coletiva de convencimento de setores públicos e privados para a recepção dos migrantes.
Rede de capacitação – O evento faz parte do projeto “Atuação em rede: capacitação dos atores envolvidos no acolhimento, integração e interiorização de refugiados e migrantes no Brasil”, em Roraima. O objetivo da Rede é fomentar a discussão em torno da necessidade de se estabelecer políticas locais de acolhimento, abrigamento e integração para refugiados e migrantes. Saiba mais.
Confira as fotos do simpósio.
* Com colaboração da Ascom da PR/RR
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