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Direitos indígenas: segundo painel discute questões relacionadas a índios em áreas urbanas
O Painel II teve como tema “Índios em áreas urbanas: identidade, mobilidade, (in)visibilidade e violência real e simbólica”
O Painel II, com o tema “Índios em áreas urbanas: identidade, mobilidade, (in)visibilidade e violência real e simbólica”, abriu o segundo dia do Simpósio “Desafios e perspectivas sobre temas atuais dos direitos indígenas no Brasil”. Atualmente, metade da população indígena do Brasil vive em áreas urbanas.
Sob a mediação do diretor-geral da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) e membro da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (6CCR/MPF), João Akira Omoto, a mesa teve como debatedores o antropólogo Marco Paulo Froes Schettino; a representante da etnia Xakriabá, de Minas Gerais, Elizamar Gomes da Silva Wakõdi; o titular da Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (Sesai), Marco Antônio Toccolini; e os procuradores da República Carlos Humberto Prola Junior e Fernando Merloto Soave.
O antropólogo Marco Paulo Froes Schettino, primeiro a falar, explicou que a presença de povos indígenas no contexto urbano é algo histórico no País. Em sua exposição, ele tratou da concepção de índios aldeados e desaldeados e ressaltou que os aldeamentos surgiram no período colonial, quando os colonizadores reduziram as populações indígenas a partes diminutas de seus territórios para impor algum tipo de controle. “O aldeamento converteu-se num lugar reservado pelo Estado e sob o seu controle para uso dos índios. Essa é justamente a ideia de reserva indígena: lugar destinado pelo Estado para os indígenas viverem. Já os índios desaldeados são aqueles arredios, fora do controle estatal”.
Schettino acrescentou que a ideia de aldeamento foi atualizada para o conceito de terra indígena, lugar onde o Estado teria a pretensão de exercer o controle tutelar por meio da prestação de assistência, de serviços e também do esvaziamento da autonomia indígena. “Quando o índio sai dos limites da aldeia, o Estado então passa a lhe negar atenção, serviços e até mesmo a sua identidade indígena”.
A representante indígena Elizamar Gomes da Silva Wakõdi, antes de iniciar sua fala, fez o canto característico de sua etnia. Após, afirmou que integra o grupo dos índios desaldeados do Brasil e que, em 2006, ela e seu grupo, inconformados com a vida na cidade, decidiram retomar o território de seus antepassados. Ressaltou também que o indígena urbano lida o tempo todo com questionamentos sobre sua identidade. “É como se, ao decidirmos ir para a cidade e estudar, nós perdêssemos nossa identidade e deixássemos de ser indígenas. O índio desaldeado carrega o seu território aqui [em seu coração]. O que me diz que sou índia é a minha origem e o contexto de onde vim”.
Em sua apresentação, o secretário Especial de Saúde Indígena, Marco Antônio Toccolini, mostrou dados sobre a atuação da secretaria ao longo de 2017 e falou sobre as competências do órgão, entre as quais o desenvolvimento de ações de atenção integral à saúde indígena e educação em saúde, em consonância com as políticas e os programas do Sistema Único de Saúde (SUS). “Espero que o Ministério Público nos ajude a buscar soluções dentro daquilo que a lei e o orçamento nos permitem, que atualmente é de R$ 1,4 bilhão por ano”.
Ele admitiu que, infelizmente, quando o indígena vem para a cidade, a ele é negado o atendimento em serviços como o da saúde. “Eu, já secretário da Sesai, ao visitar um hospital que se dizia de excelência ao atendimento da saúde indígena, me deparei com uma indígena com seu filho nos braços saindo do local chorando por falta de acesso ao hospital”, relatou. Contou, ainda, que, desde a criação da Sesai, muitos estados e municípios passaram a agir como se a questão da saúde do indígena fosse inteiramente do órgão.
O procurador da República Carlos Humberto Prola Junior, que atua na cidade de Chapecó-SC, ressaltou que o tratamento do direito dos indígenas que vivem em áreas urbanas é mais complexo que o dos povos aldeados. Para ele, a política indigenista no País está estruturada na territorialização, e todas as políticas públicas (saúde, moradia, educação, segurança alimentar etc.) são prestadas apenas em aldeias. “A gente territorializa a identidade dos grupos indígenas. E por trás dessa ideia está a concepção equivocada de que o índio tem de morar na aldeia e ficar longe da civilização”.
De acordo com o painelista, entre os fatores que levam à migração do índio da zona rural para a cidade estão a busca de fonte de renda, a ocupação de postos de trabalho em órgãos públicos, a vontade de fazer um curso superior e a falta de demarcação de terras ou a demarcação em áreas inadequadas. “Os indígenas aldeados ficam confinados em pequenos territórios. No Oeste de Santa Catarina, por exemplo, onde tem a maior concentração de terras indígenas no estado, as áreas atualmente demarcadas representam apenas 0,23% do território. Se fizermos uma pesquisa em um cartório de registro de imóveis, certamente encontraremos uma pessoa física na Região Sul proprietária de uma área maior”, comentou.
O último a falar sobre a temática “Índios em áreas urbanas” foi o procurador da República Fernando Merloto Soave, lotado no Amazonas. Ele destacou a dificuldade de se discutir a questão da étnico-identificação e do reconhecimento. Com base em exemplos de casos concretos, citou o caso de um índio que entrou com uma ação na Justiça por preconceito e, durante a audiência, ao utilizar um celular, a juíza lhe disse que, por ele portar celular, não era mais índio e nesse caso não cabia ação por preconceito. “Essa história aconteceu há algum tempo, mas é real. A juíza cancelou a ação por ele estar portando um celular, ou seja, o índio sofreu um duplo preconceito”, observou.
Merloto ainda fez a seguinte reflexão com relação ao direito de preservação da identidade cultural desses povos, independentemente do ambiente em que está inserido, se na aldeia ou nos centros urbanos. “Se eu colocar pedra no forno, ela vira pão? Não. Com o índio é a mesma coisa. O fato de morar na cidade ou usar recursos tecnológicos não faz com que ele deixe de possuir a identidade indígena”.
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