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Fim da prerrogativa de foro não resolve problema da impunidade, afirma pesquisadora

Em palestra, a doutora em Direito pela Universitat de Barcelona Marina Quezado apresentou resultados acerca do instituto processual e da seletividade do sistema penal
publicado: 08/08/2019 17h39 última modificação: 08/08/2019 17h39
Exibir carrossel de imagens A palestra aconteceu em Brasília (DF), no dia 7 de agosto, na sede da ESMPU

A palestra aconteceu em Brasília (DF), no dia 7 de agosto, na sede da ESMPU

A pesquisadora e doutora pela Universitat de Barcelona Marina Quezado afirmou que o fim da prerrogativa de foro não resolve o problema da impunidade das altas autoridades. A conclusão foi apresentada com base em sua tese de doutorado durante a palestra “A criminalização dos poderosos e a prerrogativa de foro: estudo comparado entre Brasil e Espanha”, promovida pela Escola Superior do Ministério Público (ESMPU), nessa quarta-feira (7/8), em Brasília (DF). A palestra está disponível no canal do YouTube da ESMPU. Confira.

Na abertura, a subprocuradora-geral da República Ela Wiecko de Castilho sinalizou que, no âmbito do Ministério Público da União (MPU), a pesquisa trouxe um estudo inédito com características relevantes. “O trabalho desenvolvido por Marina é uma importante fonte de informação e compreensão para os membros do MPU e também para todas as pessoas que se interessam pelo tema”, concluiu Wiecko.

A seletividade do sistema penal foi o ponto de partida para a elaboração da tese de doutorado de Marina Quezado. Ela iniciou sua fala apresentando o conceito de criminologia crítica, teoria que já estuda há cerca de 15 anos e que consiste em analisar o funcionamento do Sistema de Justiça, a atuação dos órgãos de controle penal e o processo de seleção dos indivíduos que serão classificados como criminosos.

De acordo com Quezado, acusar uma autoridade não é um trabalho fácil. Reunir provas e concluir a condenação torna todo o processo ainda mais custoso. “Até a conclusão da minha pesquisa, em 2017, depois de mais de 900 ações penais iniciadas no STJ contra pessoas com prerrogativa de foro, houve apenas 12 condenações. Já no STF, em todos os seus anos de história, uma autoridade foi condenada pela primeira vez apenas em 2010”, ressaltou.

A palestrante também chamou atenção para a necessidade de se contextualizar a inquietude de ver as autoridades escapando das responsabilidades de seus atos criminais. Ela afirmou que, nas últimas décadas, os operadores e estudiosos do sistema de justiça criminal sinalizaram um anseio generalizado de se manter a balança punitiva em equilíbrio, uma vez que o peso maior recai constantemente sobre grupos identificados como minorias.

Com a premissa de tornar o sistema mais igualitário, Quezado destacou que eliminar os privilégios oferecidos aos poderosos é a primeira ideia aventada para solucionar o problema, e a prerrogativa de foro costuma ser apontada como o motor da criminalização. Assim como no Brasil, esse raciocínio também é observado na Espanha, o que permitiu a comparação entre os países no estudo realizado.

Ainda de acordo com a pesquisadora, no Brasil existem 55 mil autoridades com prerrogativa de foro e na Espanha o número chega a 250 mil, pois abrange os integrantes dos corpos de seguridade. Com base na metodologia de observação participante, utilizada para conduzir a pesquisa de doutorado, somada à sua experiência como servidora pública, a palestrante pontuou que as diferenças de status e classe social das altas autoridades, em comparação ao restante da população, são muito mais destacadas no Brasil. Ela também afirmou que essas diferenças marcam os discursos que defendem a eliminação da prerrogativa de foro nos dois países.

Explicou também que, na Espanha, o principal fundamento que motiva o discurso é a ofensa ao princípio da igualdade. O Brasil, por sua vez, centraliza o argumento no combate à impunidade. “No nosso país, não fundamentamos o argumento na igualdade, porque já aceitamos que as autoridades públicas não são iguais ao restante da população. Todas as regalias, os pronomes de tratamento e a ascensão à uma classe superior são aspectos recepcionados e aceitos na nossa cultura para diferenciar indivíduos.”

Uma das principais diferenças apontadas por Quezado é que, ao contrário do Brasil, em termos de procedimento penal contra as autoridades, a Espanha não detém o monopólio da ação pública por parte do Ministério Público, havendo, então, a possibilidade de qualquer pessoa manifestar acusação à uma autoridade com prerrogativa de foro. Além disso, na Espanha, a investigação fica a cargo do juiz instrutor, enquanto no Brasil o juiz apenas supervisiona o caso. Ela também destacou a diferença nos Ministérios Públicos dos dois países, esclarecendo que, o MP espanhol não tem a mesma independência que o brasileiro, sendo necessário que os membros comuniquem aos seus superiores hierárquicos quando houver atuação em casos que envolvam autoridades e integrantes do governo.

A doutora afirmou que foi possível verificar que a extinção da prerrogativa de foro não soluciona o problema da impunidade das altas autoridades. Para ela, nos dois países analisados, existem aspectos que influenciam a criminalização desse grupo de indivíduos, mesmo sem manutenção do foro especial. “As autoridades que possuem prerrogativa de foro, tanto no Brasil quanto na Espanha, são pessoas que detêm poder político e, portanto, sempre haverá uma tendência de imunização de suas condutas e isso ocorrerá independentemente da instância que persiga essa poderoso”.

Marina Quezado encerrou a palestra lançando uma reflexão acerca do que acontecerá com a criminalização das altas autoridades com prerrogativa de foro. “Em cima dos estudos que fiz e dos resultados que encontrei, eu suspeito que o foro especial, tão criticado como um desejável privilégio, era na realidade a melhor oportunidade que tínhamos para tentar responsabilizá-los”, concluiu.

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