Seminário Brasil-Alemanha debate defesa da democracia e abre calendário acadêmico da ESMPU

A erosão dos valores democráticos e os mecanismos para sua preservação foram o centro das discussões na abertura do "Seminário Internacional Brasil-Alemanha: defesa da democracia e dos direitos fundamentais", realizado nesta segunda-feira (24) na sede da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU), em Brasília. O evento, que marca o início do calendário acadêmico 2025 da instituição, reuniu ministros das cortes superiores de ambos os países, além de professores, acadêmicos, juristas e cientistas políticos para debates técnicos sobre temas como liberdade de expressão, desinformação e acesso à justiça. Assista aqui.

Em sua fala de abertura, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, destacou a urgência do debate. "No momento em que a democracia é posta em dúvida, em que seus valores sofrem riscos, este seminário é, mais do que nunca, necessário e útil para o aprendizado constante do que é o viver civilizado no campo das relações democráticas", afirmou.

A diretora-geral da ESMPU, Raquel Branquinho, contextualizou o cenário atual, ressaltando que a literatura aponta para uma tendência de transformação das democracias liberais para novas formas de regimes, denominadas democracias iliberais e sem direitos ou liberalismo antidemocrático, com direitos, mas sem democracia. “Esses regimes flexibilizam o primado da lei e não respeitam o direito das minorias. As premissas dessa mudança ideológica se conectam com o ataque às instituições democráticas e aos direitos fundamentais”, pontuou.

Em sua fala, o vice-embaixador da Alemanha no Brasil, Wolfgang Bindseil, destacou a relevância do debate, especialmente no contexto da atualidade “em que a verdade que sempre reconhecemos é colocada em dúvida”. O diretor-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), Benedito Gonçalves, por sua vez, alertou que diversos países, incluindo o Brasil, enfrentam ameaças democráticas, desde a erosão da confiança nas instituições até o aumento da desinformação e da polarização.

O seminário, que tem como orientador pedagógico o procurador da República Antonio do Passo Cabral, segue até esta terça-feira (25/2) com transmissão ao vivo pelo canal da ESMPU no YouTube.

Conferência de abertura – Na conferência de abertura, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, e a ministra do Tribunal Constitucional Federal Alemão Rhona Fetzer apresentaram uma análise sobre o tema "A função do sistema de Justiça na defesa da democracia".

Em sua exposição, Barroso definiu a democracia constitucional como "duas faces de uma moeda", tendo de um lado "soberania popular, eleições livres e governo da maioria" e do outro, "poder limitado, Estado de Direito e respeito aos direitos fundamentais". O ministro alertou para a atual onda de "populismo autoritário anti-institucional e antipluralista, que pode ser de esquerda ou de direita e que oferece riscos à democracia em várias partes do mundo”. Ainda segundo ele, esses processos são frequentemente liderados por figuras carismáticas que "manipulam medos, desejos e apreensões das pessoas, oferecendo soluções fáceis para problemas complexos". "O mundo vive um momento de alguma escuridão, com mais força e menos direitos; mais arrogância e menos justiça. Vão ser tempos de resistência e esforço para manter as luzes acesas", concluiu Barroso.

Rhona Fetzer, por sua vez, ressaltou o papel dos tribunais como "baluartes contra os ataques democráticos", com a função de proteger e fortalecer a democracia. Segundo ela, o princípio do Estado de Direito é a rede de segurança da democracia. “Sem um debate público livre entre diferentes pontos de vista, perde-se um aspecto essencial da democracia: a participação informada de todos os cidadãos na formação da opinião pública”, completou.

Conferência de encerramento – O ministro do Tribunal Constitucional Federal Alemão Thomas Offenloch e o ministro do STF Gilmar Mendes analisaram, na conferência de encerramento, a atuação dos poderes e os estímulos à cultura democrática.

Offenloch discorreu sobre a relevância da liberdade de expressão e de imprensa para a democracia e a sua proteção pelo Judiciário na Europa. “A ameaça que mais me preocupa na Europa não é a Rússia, não é a China ou outro ator externo. O que realmente me preocupa é a ameaça interna, o recuo da Europa em relação a um de seus valores mais fundamentais”, destacou. O ministro alemão ressaltou ainda que a liberdade de expressão não é garantida sem limites. “É importante que os tribunais encontrem o equilíbrio certo. Afinal, a proteção inadequada dos direitos pessoais também causa problemas para a democracia”, disse.

Mendes alertou que o extremismo e o populismo global, com manifestações em ambos os lados do Atlântico, demandam reflexão. “O período em que vivemos é o mais duradouro da ordem democrática da história brasileira. A Carta Cidadã de 1988 marca não apenas o encerramento do triste período autoritário do regime militar, mas também a conformação de um texto constitucional que reúne em si as aspirações de toda uma sociedade, enfim, liberta de mais de duas décadas de repressão”, lembrou. Em sua fala, ele reforçou que a vigilância deve ser mais obstinada, não apenas por parte dos juízes e das cortes supremas, mas também pelos membros do Ministério Público, na defesa da ordem jurídica e do regime democrático.

Cooperação institucional – Durante o seminário, a diretora-geral da ESMPU, Raquel Branquinho, e os presidentes do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Paulo Gonet e Luís Roberto Barroso, firmaram um acordo de cooperação para traduzir documentos produzidos pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos para o português e disseminá-los no Brasil. O acordo prevê a possibilidade de adesão por unidades e ramos do Ministério Público e do Judiciário brasileiro, ampliando o alcance da iniciativa. Saiba mais.

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