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“A violência contra a mulher é, infelizmente, muito democrática e atinge todas as classes sociais”, afirma promotora de Justiça

Em entrevista ao Espaço Debate, Danielle Martins Silva, que atua na área de violência doméstica e familiar contra a mulher, destacou que é preciso desconstruir a cultura nacional de aceitação da violência de gênero
publicado: 28/10/2016 15h35 última modificação: 31/03/2017 17h24

A cultura do estupro é uma realidade no país. De acordo com dados oficiais, uma mulher é estuprada a cada 11 minutos. São quase 50 mil casos notificados por ano, e estima-se que esse número seja bem maior, pois apenas 10% das agressões sexuais são registradas. Levantamento do Instituto Datafolha, feito a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostra que um terço dos brasileiros acredita que a vítima é culpada, de alguma forma, pela violência sofrida.

O programa Espaço Debate, da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU), conversou sobre essas e outras questões com a promotora de Justiça Danielle Martins Silva, que atua na área de violência doméstica e familiar contra a mulher. A entrevista foi publicada no canal da Escola no YouTube. Clique aqui para assistir.




Para a promotora, o resultado da pesquisa não foi surpresa, pois a forma como as mulheres conduzem sua vida privada é colocada na berlinda quando uma delas é vítima de crime sexual. “Ainda vivemos em uma cultura machista e patriarcal, em que os locais de pertencimento da mulher e os papéis atribuídos a ela são muito definidos e socialmente esperados. Há uma certa aceitação de um abuso praticado contra uma mulher que não esteja se comportando como dela é esperado – se ela não é recatada, se é dada a sair à noite, se usa roupas justas e/ou decotadas”, afirma.


Entre os mais jovens, a pesquisa destacou que existe maior consciência sobre o que é violência de gênero. Sobre essa questão, Danielle defende que é fundamental que esse assunto seja discutido na escola. “Não há por que ter um tabu sobre esses ensinamentos. Nós estamos falando de violência e desigualdade, questões que estão albergadas pelo artigo 5º da Constituição. Não são fantasias ou ideologias, estamos tratando sobre direitos e é papel da escola educar para a cidadania e o respeito à dignidade do outro”, ressalta.

A cultura social de aceitação da violência contra a mulher também explica as subnotificações desse crime, principalmente quando ele ocorre dentro do ambiente familiar. Danielle afirma que os estupros cometidos dentro do relacionamento, do namoro ou do casamento raramente são denunciados porque, muitas vezes, as mulheres não têm a percepção de que estão sendo vítimas de um crime. “Geralmente, o sistema de justiça só toma conhecimento desses casos quando outras situações de violência doméstica vêm à tona. Infelizmente ainda existe, até por parte das mulheres, uma crença de que elas são obrigadas a manter relação sexual com os seus maridos ou companheiros. Somente quando um promotor de Justiça apresenta isso como uma violência, as vítimas têm a compreensão do quanto já suportaram dentro daquele relacionamento”, destaca.

Crianças e adolescentes

No caso de crianças e adolescentes, os dados apontam que 80% dos casos de abuso são praticados por pessoas do convívio familiar da vítima. Ao avaliar esse quadro, a promotora afirma que, em muitos casos, há a construção de um segredo familiar muito difícil de ser desconstruído. “Novamente, é muito importante que a escola e os educadores fiquem atentos a mudanças no comportamento da criança. É preciso trazer isso ao sistema de justiça, uma vez que o conhecimento de abusos praticados contra crianças ou adolescentes são de notificação compulsória”.


Mudança cultural

As penas para os crimes de estupro são umas das mais altas do Código Penal. Para Danielle, a lei é capaz de fomentar comportamentos e tem um efeito importante, mas mudanças culturais são lentas e gradativas e precisam começar em casa e na escola. “Precisamos ensinar às nossas crianças que a mulher não é propriedade do homem, não é um corpo que o homem pode usufruir quando quiser e como quiser. Precisamos mostrar que a cultura da paz só se inicia com o respeito à diversidade e à dignidade sexual do outro”, conclui.


A entrevista também está disponível para download. Pode ser publicada nos sites interessados na temática e compartilhada nas mídias sociais.

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