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Debate sobre migração e refúgio em Belo Horizonte aponta desafios para efetividade de políticas públicas específicas
A capital mineira sediou, durante três dias (de 18 a 20 de setembro), debate sobre as principais dificuldades enfrentadas por refugiados e migrantes em Minas Gerais e os desafios para a efetividade de políticas públicas de atenção a essas pessoas. Para representantes da sociedade civil, agentes públicos e acadêmicos, a inserção social das pessoas em situação de migração requer uma visão humanitária, que entenda as necessidades delas para além da acolhida.
Nas falas dos participantes das atividades realizadas (uma mesa-redonda, um simpósio e dez oficinas/minicursos), enfatizou-se que é preciso pensar em ações efetivas de integração, por meio de um trabalho coletivo de instituições públicas e não governamentais, a fim de possibilitar não apenas o acolhimento, mas a regulamentação de documentos, o aprendizado do idioma, a revalidação de diplomas, o acesso ao mercado de trabalho e à moradia e o combate à xenofobia.
Essa visão foi defendida pelo diretor-geral da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU), João Akira Omoto, um dos idealizadores da Rede de Capacitação de Refugiados e Migrantes, promotora dos encontros. Para ele, apenas com uma articulação em rede é possível atender às demandas do fenômeno da mobilidade humana em toda sua complexidade e extensão. “Esse é o intuito dessas atividades de capacitação, realizadas em várias cidades do Brasil. Buscamos fomentar um debate coletivo sobre essa questão, que é delicada e complexa. Precisamos apontar caminhos para uma atuação que dê maior dignidade a essas pessoas que vieram ao nosso país reconstruir suas vidas”, defendeu.
Para envolver os principais beneficiários de políticas de atendimento a pessoas em situação de migração, os organizadores promoveram uma mesa-redonda e convidaram para o debate uma haitiana, uma peruana e um venezuelano que vivem atualmente no Estado de Minas Gerais. Em seus testemunhos, eles falaram sobre desafios da mudança de cultura, hábitos e atividades econômicas e como enfrentam a burocracia, o preconceito, a xenofobia e as dificuldades de integração.
Morando no Brasil desde 2002, a peruana Marinela Herrera disse que, apesar de se sentir acolhida por muitas pessoas, sofre com as atitudes racistas e xenofóbicas. “Geralmente, os ataques são vinculados à ideia de que estamos ‘roubando’ trabalho dos brasileiros”, citou. Essa também é a avaliação da estudante haitiana Dina Therrier. Ela relata que sofre discriminação cotidianamente, inclusive na universidade, por ser migrante e negra. “Dizem que estamos roubando vagas universitárias ou postos de trabalho de brasileiros. Outra questão é o preconceito. Por ter a pele escura, quando ando na rua as pessoas demonstram medo, escondem o celular”, contou.
Líder estudantil na Venezuela, o refugiado José Miguel Silva Ocanto teve de sair do país ao sofrer perseguição por fazer oposição ao governo. Segundo ele, infelizmente, ainda há muita desinformação na sociedade, até em órgãos de assistência a refugiados e migrantes, o que dificulta a implementação da lei e fomenta a xenofobia. “Por isso é fundamental a representatividade dos migrantes em eventos sobre a temática”.
O fenômeno da migração – Segundo o representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) no Brasil, José Egas, vive-se atualmente o maior fluxo de deslocamento forçado no mundo. Cerca de 71 milhões de pessoas já se deslocaram forçosamente por motivos de guerras, conflitos ou fugindo de crises políticas, econômicas, humanitárias e ambientais. Desse total, mais de 25 milhões são refugiados.
Ele informou que a América Latina passa por uma situação inédita, com a emigração em massa de venezuelanos, o que se tornou um dos mais importantes deslocamentos da história recente. “Nunca houve um momento como o que temos hoje: quase quatro milhões de venezuelanos estão fora de seu país de origem. Se esse ritmo continuar, em seis meses, a Venezuela, que não vive uma guerra civil, será o país com mais refugiados no mundo, ultrapassando a Síria”.
Ao público do Simpósio “Refugiados e Migrantes em Minas Gerais: Como Acolher e Integrar?", realizado nesta quinta-feira (19/9), José Egas narrou que os venezuelanos que se veem forçados a deixar seu país estão em situação de alta vulnerabilidade, e que eles chegam ao Brasil dispostos a contribuir, reconstruir suas vidas e ser participantes ativos. “O ACNUR tem trabalhado em parceria com o governo brasileiro, a sociedade civil, a academia e outras agências da ONU [Organização das Nações Unidas] para garantir melhores condições de vida a essas pessoas”.
Ao falar sobre política migratória e direito ao trabalho, a procuradora do Trabalho Andrea Gondim frisou que a existência do Estado se justifica para garantir a justiça social a todos; entretanto, essa perspectiva é enfraquecida quando se começa a perceber o Estado por uma ótica de segurança pública, policialesca, e não de seguridade social. “Segundo essa lógica, como o Estado não tem pernas para resolver todos os problemas sociais, ele passa a planejar a construção de muros ao invés de pontes, protegendo a parcela social com mais privilégios e excluindo aqueles que não têm acesso a direitos”, explicou.
Andrea Gondim afirma que essa é uma visão equivocada e defende um Estado promotor de políticas públicas inclusivas, como as que promovem a inserção no mercado de trabalho. “No contexto atual, o trabalho constrói a narrativa de vida do indivíduo, e isso vale também para trabalhadores migrantes, que, por sua condição de vulnerabilidade, tendem a aceitar as piores condições de trabalho. Por isso, é preciso uma atenção redobrada”.
Venezuelanos em Minas Gerais – De acordo com dados da Organização Internacional de Migração (OIM) e da Casa Civil do Governo Federal, de junho de 2019, Belo Horizonte recebeu 55% (176) dos venezuelanos interiorizados, de um total de 320 que chegaram a Minas Gerais. Entre outros municípios mineiros que mais receberam pessoas em situação de migração vindos da Venezuela, estão Juiz de Fora (19,7%), Montes Claros (8,4%) e Uberlândia (7,5%).
Juliana Rocha, representante do Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados em Belo Horizonte (SJMR-BH), instituição que advoga pela construção de uma política migratória para o estado, explicou que Minas Gerais participa do acolhimento por meio de esforços da sociedade civil. Segundo ela, apesar de o estado integrar o programa de interiorização dos venezuelanos e receber, desde 2012, haitianos, congoleses e peruanos, não existe uma política local consolidada. “Acredito que o Estado tenha um potencial de solidariedade e empregabilidade para migrantes. Sonhamos com a implantação de uma política como a que existe nas cidades de São Paulo e Florianópolis, mas por ora é só uma esperança”, lamentou.
Convidada a falar sobre a experiência do poder público local na temática, Maíra Colares, da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania de Belo Horizonte, disse que o desafio do município tem sido o de criar políticas públicas para atender aos migrantes, considerando o seu direito de acesso a serviços públicos. “Todos os serviços que oferecemos devem fazer atendimento ao migrante. Mas sabemos que isso não acontece de forma plena. Às vezes, a linguagem se torna uma barreira. Há muitos desafios e estamos tentando superá-los”, explicou.
Atividades - Belo Horizonte (MG) foi a décima cidade a receber uma edição do projeto “Atuação em rede: capacitação dos atores envolvidos no acolhimento, na integração e na interiorização de refugiados e migrantes no Brasil”. As atividades foram realizadas na Unidade Educacional da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).
Além do simpósio e da mesa-redonda “Vivências, experiências e necessidades de migrantes em Minas Gerais”, foram realizados dez atividades temáticas (oficinas e minicursos), nas quais foram abordados temas como imprensa no combate à xenofobia; gênero; direitos humanos; nova Lei de Migração e Lei do Refúgio; direitos e acesso à justiça; direitos Laborais; crianças migrantes; migração indígena; integração local; e articulação de rede.
Já foram realizados eventos similares Belém (PA), Manaus (AM), São Paulo (SP), Boa Vista (RR), Porto Alegre (RS), Recife (PE), João Pessoa (PB), Curitiba (PR) e Florianópolis (SC), com quase três mil participações no total.
Para conhecer o projeto e saber como foram todas as edições acesse http://escola.mpu.mp.br/h/rede
Imagens mesa-redonda
Imagens simpósio
Imagens oficinas/minicursos
Apresentações
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