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Em entrevista, Ana Tércia Sanches fala sobre reforma trabalhista e assédio moral

Capacitadora do curso “Novas facetas do assédio moral nas relações de trabalho - setores críticos”, que acontece até 2 de setembro, Ana Tércia é mestre em Ciências Sociais, doutoranda em Sociologia e diretora do Sindicato dos Bancários de São Paulo
publicado: 31/08/2016 17h37 última modificação: 31/03/2017 17h24

A ESMPU realiza, até a próxima sexta (02/09), o curso “Novas facetas do assédio moral nas relações de trabalho - setores críticos”. Em entrevista, uma das capacitadoras da atividade, Ana Tércia Sanches, falou sobre a proposta de reforma trabalhista, trabalho em home office e a prática do assédio moral como ferramenta para o aumento da produtividade. Ana Tércia é mestre em Ciências Sociais, doutoranda em Sociologia e diretora do Sindicato dos Bancários de São Paulo. Confira a entrevista.

A crise econômica no Brasil vem sendo usada como justificativa para a terceirização e a precarização dos direitos trabalhistas?
A vontade de fazer a reforma trabalhista aparece no Brasil desde a década de 90, quando a chamada reestruturação produtiva chegou ao país. As empresas começaram a se readequar a um novo padrão de competitividade e, nesse sentido, os empresários juntamente com o governo começaram a atuar no sentido de reformar todo o processo de contratação e as relações entre trabalhadores e patrão. A crise, na verdade, é sempre usada como pretexto para justificar mudanças bruscas que vão interferir radicalmente no cotidiano dos trabalhadores, porque vão alterar partes essenciais da relação contratual entre patrões e empregados.

Qual o impacto dessas mudanças na legislação para a sociedade?
É preciso explicar que os trabalhadores são a maior parte da população: são poucos empresários e muitos trabalhadores. Nosso país, em especial, já vive uma situação bem diferente de outros países capitalistas, pois já contamos com uma força de trabalho altamente informal derivada do processo histórico, em que uma grande parte dos trabalhadores não ingressou na formalidade.

Já existe um grande desnível no país, onde muitas pessoas que vivem do trabalho não têm as proteções contidas na CLT e nas outras legislações que protegem os trabalhadores. Com as mudanças na lei, até essa outra parte, que é formal, e está amparada pela legislação trabalhista, passará a se submeter à perda das garantias básicas.

Esse pacote que vem sendo apresentado envolve terceirização, negociado sobre legislado, reforma da previdência, que são questões centrais do mundo do trabalho. Podem mexer com as garantias que os trabalhadores formalizados no Brasil têm.

Na sua visão, o movimento sindical no Brasil está preparado e envolvido para atuar na proteção dos trabalhadores?
Os sindicatos maiores, de categorias profissionais com mais tradição como professores, metalúrgicos, bancários, químicos, têm larga experiência. O dos bancários de São Paulo, por exemplo, tem 93 anos, e esse tempo lhe trouxe um nível de engajamento mais elevado. Outros sindicatos são mais novos e menores e, por isso, são mais frágeis.

É verdade que o sindicalismo no Brasil é plural e encara a luta sindical de forma diferente, mas acredito que a grande maioria dos sindicatos está olhando para essas reformas com uma visão muito crítica. Vai haver muita resistência.

Diante das transformações no mundo do trabalho, possibilitadas principalmente pelas novas tecnologias, a senhora acredita que é necessária uma mudança para englobar essas novas formas de trabalho?
Não devemos ser contra as mudanças trazidas pelas novas tecnologias porque o contexto social muda e, em algumas carreiras como TI, o teletrabalho é bastante comum, mas é importante que os sindicatos dialoguem com essas mudanças, inclusive para intervir e proteger o trabalhador.

Podemos criar um mito em torno do que é novo, achando que é bom, mas pode não ser tão bom quanto a gente imagina.

Até onde nós sabemos, o trabalho em casa passa por uma decisão do empregador e o que importa é o aumento da produtividade. E isso é controlado com muita facilidade com as novas tecnologias que permitem a geolocalização, softwares que controlam o horário que você acessou seu e-mail, quanto tempo você ficou com alguma planilha aberta e quantos cliques você deu na tela.

O trabalhador em home office é ainda mais controlado que aqueles que atuam na empresa, pois, quando você está no local de trabalho, você interage com outras pessoas, atende um cliente e esse tempo está na dinâmica do trabalho. Em casa, o trabalhador será cobrado ainda mais.

E a proposta do negociado sobre o legislado?
Precisamos tomar muito cuidado e combater essa proposta, porque os riscos para a classe trabalhadora são muito altos. Num cenário de crise, onde todo mundo trabalha preocupado se vai manter ou se vai perder seu posto de trabalho, não podemos supor que um sindicato vá negociar livremente. Nesse sentido, um sindicato pode assinar qualquer tipo de acordo, até um que permita a redução do período de férias. Se não tomarmos cuidado, vamos virar padrão China, onde há trabalho em condições muito precárias.

Já temos um processo histórico muito difícil, marcado pela escravidão, pela informalidade e por empresários com uma visão muito egoísta.

No assédio moral prevalece um comportamento pessoal do assediador ou essa prática vem sendo usada pelas empresas como estratégia para o aumento da produtividade do trabalhador?

Quando falamos em assédio moral, muitas vezes culpabilizamos o gestor e isso pode ser um grande equívoco. Até pode haver conduta individual e despropositada, mas o assédio na minha visão deriva da forma como o trabalho se organiza. Assediar está normalmente relacionado a uma intermediação para atingir maior produtividade para a empresa.

As cobranças por metas ganharam muita proporção nos últimos anos e é possível fazer um monitoramento muito detalhado da produtividade do trabalhador. Ele é pressionado pelo gestor e este, por sua vez, também é pressionado pelo superior, gerando um efeito cascata. Todos reproduzem essa pressão, mas uns são mais despreparados e adotam práticas extremamente violentas. Nesse sentido, o assédio se torna uma ferramenta de gestão, porque as empresas estão sempre aumentando as metas e quem não cumpre o que é determinado está fora.

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