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Especialistas discutem perspectivas racionais dos standards probatórios
Os standards probatórios, também conhecidos como critérios de convencimento, são modelos de constatação que determinam o grau de probabilidade, preponderância ou evidência utilizados pelo juiz para uma hipótese fática ser considerada verdadeira ou muito próxima da certeza. Para debater o tema, a Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) reuniu, nesta sexta-feira (14/11), especialistas brasileiros e estrangeiros adeptos da tradição racionalista da prova. Assista aqui. Confira as fotos do evento.
O seminário complementa as aulas da pós-graduação da ESMPU “Direito probatório contemporâneo” e foi uma oportunidade para intensificar as discussões sobre possíveis modelos intersubjetivamente controláveis de standards probatórios, bem como as suas repercussões sobre outros institutos, como a presunção de inocência e o ônus de prova. A atividade teve a coordenação dos procuradores da República Daniel de Resende Salgado e Luís Felipe Schneider Kircher.
Abertura – “Trabalhar um tema tão relevante na pós-graduação e no seminário é uma entrega muito importante da Escola para o Ministério Público. Precisamos nos capacitar para analisar o contexto probatório no processo penal. É preciso ter um olhar racional, avaliar o nível do subjetivismo e fazer um balanceamento entre a presunção de inocência e outros estândares do devido processo legal à luz de como produzir uma prova legítima, transparente, idônea e que seja efetiva”, destacou a diretora-geral da ESMPU, Raquel Branquinho.
O coordenador da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (2CCR/MPF), Francisco Sanseverino, enfatizou que a prova deve ser avaliada de maneira racional e controlável para atender aos direitos humanos. “Temos o bônus de acusar, mas o ônus de demonstrar racionalmente a prova para que a defesa possa fazer o controle e o juiz avaliá-la. Isso atende o princípio democrático”, completou.
O secretário-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), Ilan Presser, lembrou que a prova é o coração do processo. “Não é justo que estejamos sujeitos a um juízo de maior probabilidade de condenação a depender da subjetividade do magistrado. Por isso, precisamos desse modelo racional intersubjetivamente verificável de valoração da prova por todos que passam pelo processo, defensores, membros do Ministério Público e magistrados”, disse.
O orientador e o coorientador da atividade, Daniel de Resende Salgado e Luís Felipe Schneider Kircher, destacaram a importância de se discutir o tema no país para aperfeiçoar a atuação ministerial na produção probatória e debater de forma profissional e profunda questões relacionadas ao tema. “Vivemos uma espécie de primavera do direito probatório dentro de uma perspectiva racional. O Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, tem tentado verticalizar decisões sobre o tema e estabelecer critérios em julgados no contexto da atividade probatória. Há 130 decisões monocráticas que mencionam o professor Jordi Ferrer Beltrán. Também há acórdãos no Supremo Tribunal Federal”, pontuou Salgado.
Primeiro painel – O primeiro painel teve como tema “O que é standard de prova: é possível a construção de standard de prova intersubjetivamente controlável?”, com os professores Jordi Ferrer Beltrán (Universidade de Girona) e Gustavo Badaró (Universidade de São Paulo) e mediado por Salgado. “Quem sabe passamos de uma primavera para um verão tórrido. Mesmo que tenham chegado mais tarde, a literatura e a jurisprudência que vêm sendo construídas no Brasil são extraordinárias. Eu não encontraria dez nomes de referência no tema na Europa, mas sou capaz de dar mais de dez nomes de professores brasileiros. O que se está produzindo aqui é imprescindível. Quero participar e contribuir com esse movimento”, elogiou Beltrán.
Ele explicou que o standard probatório é uma regra, uma norma, que determina da maneira mais precisa possível um tipo de decisão para um tipo de caso. Segundo o professor, os dois grandes problemas são a subjetividade e a imprecisão. “O primeiro pode ser evitado se o standard de prova não estiver restrito ao conhecimento, crença, certeza e estado mental do decisor. E o segundo não pode ser eliminado completamente, mas temos de buscar minorar a ambiguidade e a vaguidão”, completou.
Badaró explanou sobre as noções gerais do standard probatório e elencou três características: deve ser compatível com método de valoração; não deve ser baseado na relação subjetiva de convencimento do juiz; e deve ser orientado pela relação objetiva da prova com a hipótese fática. “O standard probatório fortalece a presunção de inocência. Todos nós precisamos aprender sobre raciocínio probatório, polícia, Ministério Público, magistrados, defensores. É preciso levar os fatos a sério”, acrescentou.
Por fim, apresentou uma proposta de standard de prova para a condenação penal. Primeiro, deve haver elementos de prova que confirmem, com elevadíssima probabilidade, todas as proposições fáticas que integram a imputação formulada pela acusação. Segundo, não deve haver elemento de prova que torne possível ter ocorrido fato concreto diverso de qualquer proposição fática que integra a imputação.
Segundo painel – O segundo painel tratou do tema “Erro: minimização, a distribuição de riscos e o equilíbrio entre a liberdade e a segurança”, com os professores Ravi de Medeiros Peixoto (Universidade Federal de Pernambuco) e Carmen Vázquez (Universidade de Girona) e mediado por Kircher. Peixoto explicou que as decisões judiciais sobre fatos ocorrem em ambiente de incerteza epistêmica. Diante disso, o standard de prova foi criado para facilitar a condenação. Ele acrescentou que há dois tipos de erros fáticos: condenar inocentes e absolver culpados.
“Como sociedade, devemos pensar em como lidar com esses erros. O standard de prova visa diminuir a quantidade de pessoas condenadas erroneamente, mas deixa de condenar culpados”, acrescentou. Ele citou, ainda, pesquisa que mostrou que 66% dos erros identificados poderiam ter sido evitados com análise adequada das provas. “Precisamos estudar o erro para saber onde estamos errando. Criar laboratórios para identificar onde é preciso melhorar e quais são os problemas sistêmicos para aprender com eles”, completou.
A professora Carmen Vázquez apresentou uma definição mínima sobre o erro: uma ação ou estado de coisas incorretas com base em um critério de correção. Segundo ela, o tema não tem sido tratado como deveria. “Como não estamos interessados nos erros? A resposta é simples: temos uma tradição que diz que o objetivo é convencer os julgadores. Quando há convicção, não há espaço para o erro”, alertou.
Para a professora, a sociedade está cada vez mais litigante, o que leva a um grande volume de casos, que congestiona o sistema de Justiça e causa congestionamento cognitivo, o que leva a erros. “Como repartir os poucos recursos que temos? A Justiça gratuita é uma metáfora. A Justiça é muito cara. Uma das atuais promessas é a inteligência artificial, mas é preciso entender que a eficiência não tem a ver apenas com a diminuição de tempo e custo”, acrescentou.
O terceiro painel abordou o “Impacto da presunção de inocência na construção do standard de prova no processo penal”, com as professoras Clarissa Diniz Guedes (Universidade Federal de Juiz de Fora), Marta Cristina Cury Saad Gimenes (Universidade de São Paulo). O último painel discutiu o “Ônus da prova e o standard probatório”, com o professor Vitor Lia de Paula Ramos (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) e o professor e procurador da República Antonio do Passo Cabral (Universidade de São Paulo).
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