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Interconexão entre Direito e Literatura é tema da série “Diálogos Interdisciplinares”

O secretário de Planejamento e Projetos da ESMPU, Carlos Vinícius Ribeiro, conversou com o professor de Literatura Idelber Avelar sobre a pertinência e as possibilidades dos textos literários no âmbito jurídico
publicado: 09/06/2020 17h02 última modificação: 09/06/2020 17h02
Ilustração com foto

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A literatura é capaz de iluminar o pensamento dos juristas? De que maneira as obras literárias podem dialogar com o Direito? Para discutir a questão da interconexão entre Direito e Literatura e para falar sobre a pertinência e as possibilidades dos textos literários no âmbito jurídico, o secretário de Planejamento e Projetos Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU), Carlos Vinícius Ribeiro, conversou com o professor de Literatura Latinoamericana, Teoria Literária e Estudos Culturais da Universidade Tulane (EUA) Idelber Avelar em mais um episódio da série “Diálogos Interdisciplinares”. Clique e assista a entrevista completa.

Em sua participação, o professor e crítico literário explicou que o próprio gênero romanesco, com ficção narrativa longa em prosa, tem origem nos tribunais, em que os relatos dos depoentes redundaram no gênero picaresco que viria a dar no romance literário. Ele analisou o contexto jurídico presente em diferentes obras literárias consagradas. Em “Grande Sertão: Veredas”, romance experimental modernista escrito por Guimarães Rosa, em 1956, o professor destacou que a narrativa apresenta um tribunal paradigmático e exibe um caso de juízo conduzido por jagunços, no qual o sujeito acusado tem de se legitimar perante o tribunal a partir de um relato de sua história. “Guimarães Rosa nos mostra que esse modelo de tribunal em seu livro é também paradigmático para a história do próprio romance, porque se alinha com a fundação desse estilo como gênero e isso se dá quando o personagem se vê diante de um tribunal pela primeira vez e precisa se legitimar contando a sua história”, completou.

O professor também analisou a narrativa de obras estrangeiras. Sobre “O Processo”, romance de 1925 do escritor tcheco Franz Kafka, ele pontuou que a história traz uma crítica à inescrutabilidade dos mecanismos julgadores, em que há presunção de culpa independentemente da comprovação. Já em “O Estrangeiro” (1942), do escritor franco-argelino Albert Camus, Idelber sinalizou que o livro estabelece uma dinâmica entre a voz autoral e a voz do narrador, no qual o julgamento leva a reflexões sobre o sistema judicial, sem apresentar soluções, mas escancarando os problemas. Já sobre “Crime e castigo” (1866), o professor informou que o escritor russo Fiódor Dostoiévski promove uma grande reflexão moral sobre consciência e culpa, na qual a presença do tribunal julgador é menos relevante do que a redenção do personagem principal.

Questionado se a justiça deve julgar o conteúdo moral de obras literárias, Idelber Avelar foi categórico ao responder que não. Para ele, apesar de julgamentos de textos literários continuarem ocorrendo, o Poder Judiciário não deveria assumir tal atribuição. O professor ainda ressaltou que é preciso analisar os contextos históricos para entender a motivação desta prática. “É interessante observar e tentar compreender quais foram as forças políticas, históricas e culturais que fizeram com que o Judiciário julgasse obras literárias e como se deu a construção desses processos que arrastaram romances para os tribunais”, reforçou.

Por fim, Idelber Avelar considerou que são inúmeras as possibilidades de uma formação mais ampla, na qual juristas possam dialogar com a literatura. “O Direito é o convencimento através da linguagem. É sobre como se opera a retórica, e a literatura é um grande laboratório de estudos sobre como funciona isso. Acredito que há total pertinência entre as áreas e as possibilidades de diálogos são vastas e abrangentes”, concluiu.

O professor, que também é ensaísta, disponibilizou aos interessados a versão em Português de sua obra na qual analisa o clássico ensaio de Walter Benjamin, Zur Kritik der Gewalt (Crítica da violência), de 1921. Clique para acessar.

Série “Diálogos Interdisciplinares – a pandemia do Coronavírus”

Promovidos pela ESMPU, os encontros virtuais buscam fomentar a discussão, o debate e a reflexão sobre aspectos jurídicos, sociais e econômicos das medidas tomadas para combater a pandemia do coronavírus no Brasil e no mundo.

Lançada no final de março, a série conta com a participação de acadêmicos, especialistas, economistas e juristas. Confira os episódios já disponibilizados aqui.

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