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Membros do Ministério Público debatem resultados de pesquisa sobre o sistema de justiça federal

Patrocinado pela ESMPU, estudo inédito sobre investigação de crimes de corrupção foi tema do simpósio realizado esta semana em Brasília.
publicado: 19/08/2015 11h34 última modificação: 31/03/2017 17h18

Membros do Ministério Público e integrantes de diversas instituições participaram nos dias 17 e 18 de agosto, em Brasília, do Simpósio “A investigação e a persecução penal da corrupção e dos delitos econômicos: uma pesquisa empírica do sistema de justiça federal”. O evento discutiu os resultados de pesquisa inédita patrocinada pela Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) e coordenada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.


O foco do estudo foi mensurar a eficiência e a efetividade das investigações dos crimes de corrupção e de crimes financeiros e econômicos, conhecidos como crimes do colarinho branco. Os números revelam que a maioria das investigações sobre esse tipo de crime é arquivada. A falta de interação entre as instituições, o modelo atual de investigação e a demora na conclusão de inquéritos são apontados como hipóteses para o baixo índice de denúncias. O relatório final passará por uma revisão e será publicado em breve pela Escola Superior do Ministério Público da União.


Na cerimônia de abertura do simpósio promovido na sede da ESMPU, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, destacou a pesquisa como uma oportunidade que levará a reflexões sobre mudança de paradigmas de atuação na investigação criminal. “Notamos que os métodos de investigação clássicos encontram-se esgotados e possuem pouca eficácia no combate à elite do crime”, afirmou. Segundo Janot, diante da sofisticação e da especialização de grupos criminosos, o sistema de investigação necessita de uma interação de expertises e de articulação de ações. “Deixemos de lado as disputas simbólicas e passemos a lutar para que diversos órgãos públicos possam contribuir para a neutralização de crimes que corroem os alicerces do próprio Estado”, ressaltou o procurador-geral da República.


O evento contou com cinco mesas de debates, reunindo exposições dos pesquisadores, que detalharam partes do estudo, e de membros do Ministério Público Federal (MPF) e do Judiciário, que apresentaram a visão dos atores do sistema de justiça criminal.


Coordenador-geral do estudo, o pesquisador e promotor de Justiça Bruno Amaral Machado explicou como o levantamento de dados foi realizado e cada uma das partes que integram o relatório final do estudo, comparando tabelas e comentando o tratamento das informações coletadas. Bruno Machado destacou a visão do MPF acerca das principais dificuldades para o trabalho de investigação dos crimes de corrupção, que incluem a falta de estrutura para a condução de investigações e a necessidade de maior aproximação entre instâncias do órgão e entre este e as demais instituições do sistema de justiça criminal – Polícia Federal, Judiciário e órgãos de fiscalização e controle. “A pesquisa mostra que existem múltiplas interpretações acerca das investigações e dos atores envolvidos. Gostaríamos que esse trabalho fosse amplamente discutido por vocês, principalmente pela experiência que possuem na atuação investigativa”, disse o pesquisador.


Integrante do grupo de pesquisa, o secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília, Arthur Trindade, apresentou um histórico do tema da pesquisa, a investigação criminal, detalhando o surgimento da atividade investigativa, as atribuições da polícia e a crise do modelo atual de investigação, marcado por críticas como o uso de práticas ilegais e a ineficiência. “Existe uma crise de legitimidade no modelo de investigação criminal construído ao longo do século XX, baseado em entrevistas de suspeitos e testemunhas para a produção de evidências jurídicas que possam resultar em denúncias criminais”, afirmou o professor.


Ao falar sobre a pesquisa e a relação entre sistema de justiça criminal e cidadania, Arthur Trindade explicou que a maioria dos estudos dos fluxos de justiça tem como foco a eficiência e pouco se discute acerca da efetividade da investigação criminal. “A efetividade está ligada à capacidade de se processar não todas as denúncias recebidas, mas somente as que são selecionadas pelo sistema de justiça criminal”, destacou. Para ele, a seletividade no trabalho investigativo não deve ser vista como um problema, mas como uma forma bem-sucedida de medir os resultados dos casos investigados, isto é, se a atuação das instituições tem resultado em punição. “O não reconhecimento da discricionariedade e a determinação de parâmetros que nortearão essa seletividade são empecilhos à obtenção de resultados efetivos e à prestação de contas à sociedade”, alertou.


Visão dos atores –
O discurso dos atores do sistema de justiça criminal foi discutido por diversos expositores, que ressaltaram a ausência de arranjos institucionais, de interação entre os integrantes do sistema, como uma das principais dificuldades para a investigação e a persecução penal dos crimes de corrupção.


A professora de Direito da Universidade de Brasília Cristina Zackseski, pesquisadora responsável pela análise da visão de agentes, peritos e delegados da Polícia Federal sobre o trabalho investigativo, descreveu os pontos principais revelados pela pesquisa, que incluíram críticas ao modelo de inquérito, à complexidade dos processos que envolvem os crimes de corrupção e ao conflito entre conhecimento técnico e competência jurídica. “Os agentes, por exemplo, apontam, entre outras dificuldades para a atuação na investigação de crimes do colarinho branco, a falta de estrutura, de pessoal e de treinamento, além do distanciamento das outras instituições do sistema de justiça criminal”, explicou.


Na visão de Paulo Augusto Moreira Lima, juiz federal em Rio Verde (GO), é necessária uma mudança na mentalidade de combate à corrupção, a fim de evitar o arquivamento da maioria das denúncias de crimes dessa natureza. Ele citou como causas para a lentidão da justiça nesses casos a sobrecarga de processos para os juízes, a grande quantidade de recursos permitidos pela legislação, a complexidade das questões processuais, o tempo decorrido entre a ocorrência do crime, a investigação e a chegada da denúncia ao juiz, além da falta de um critério de seletividade para o julgamento de processos. “Não adianta pensar em mecanismos e soluções se não houver uma definição quanto à prioridade de julgamento desses crimes”, concluiu.


Os desafios à atuação do MPF nos casos de corrupção também foram objeto de discussão. O ponto destacado foi a banalização do uso do habeas corpus como substituto de recursos nos tribunais superiores. “Isso precisa ser revisto. Várias ações penais relacionadas a crimes do colarinho branco, que envolvem na maioria das vezes pessoas com maior poder aquisitivo e advogados especializados, foram invalidadas com o uso desse instrumento”, alertou o procurador da República Diogo Castor de Mattos. Integrante da força-tarefa da Operação Lava-Jato, ele relatou diversos casos de crimes de corrupção em que o entendimento dos tribunais superiores foi favorável à anulação de provas por vícios formais na investigação mediante habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça (STJ), mesmo sem existir réus presos ou mesmo ameaça concreta à liberdade de locomoção.


Para o promotor de Justiça Antônio Suxberger, pesquisador e professor de Direito, os resultados do estudo demonstram a necessidade do aprimoramento das instituições e da construção de uma agenda comum e de bons arranjos entre os órgãos que integram o sistema de justiça criminal, a fim de que se obtenha uma resposta rápida e precisa às demandas do processo investigativo. “Parabenizo todos os envolvidos no estudo pela coragem de pretender apresentar um momento de reflexão, sobretudo pelo compromisso de tornar visíveis os reais problemas da persecução penal, o questionamento dos critérios existentes e a proposição de alternativas para avançarmos nesse tema”, disse o pesquisador responsável pela análise da visão dos órgãos de fiscalização e controle no estudo.


“Até o momento, não existia pesquisa com viés quantitativo e qualitativo que buscasse discutir um pouco de efetividade e eficiência e a interlocução institucional entre os atores da persecução e os apoiadores do processo investigativo”, ressaltou o orientador pedagógico do simpósio, o secretário de Pesquisa e Análise da PGR, Daniel de Resende Salgado. Ao debater a visão dos atores do sistema de justiça, ele disse acreditar que, a partir desse estudo, será possível construir outros referenciais dentro do MPF que possam servir como base para novas pesquisas nessa área. “Espero que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública se interesse mais por esse foco de estudo e que os membros do Ministério Público participem mais dessas iniciativas para que possamos inserir as discussões relacionadas à corrupção e aos crimes de colarinho branco na seara da segurança pública”, concluiu Daniel Salgado.


O simpósio contou ainda com a participação do estatístico René Mallet Raupp, que integra o grupo de pesquisa e foi responsável pela análise quantitativa dos dados. Entre os debatedores, estiveram o secretário de Cooperação Internacional da PGR, Vladimir Aras; a conselheira do CNJ Luiza Frischeisen; o procurador da República Ronaldo Pinheiro de Queiroz; e a subprocuradora-geral da República Mônica Nicida Garcia.


A coordenação das mesas de debates ficou a cargo dos subprocuradores-gerais da República José Bonifácio Borges de Andrada, Mario Bonsaglia e Nicolao Dino e do diretor-geral da ESMPU, Carlos Henrique Martins Lima.

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