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Simpósio internacional em Belém (PA) discute crime organizado

Confira um balanço da atividade promovida esta semana pela Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) em parceria com a Escola Nacional de Magistratura da França. Entre os temas em debate, estiveram o combate ao tráfico de armas, drogas e pessoas.
publicado: 20/09/2013 15h00 última modificação: 31/03/2017 17h25

Nos dias 16, 17 e 18 de setembro, Belém (PA) foi sede do Simpósio Internacional Brasil-França: Combate à Criminalidade Organizada. A atividade trouxe profissionais locais, nacionais e internacionais de diversas áreas de atuação para debater tráfico e descriminalização de drogas, tráfico de armas e de pessoas, lavagem de dinheiro, trabalho escravo e mineração clandestina.

O simpósio, realizado no auditório da Justiça Federal, foi organizado pela Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) em parceria com a Escola Nacional de Magistratura da França. O procurador da República Ubiratan Cazetta foi o orientador pedagógico e dirigiu os debates.

A primeira mesa de discussão abordou os desafios atuais no combate ao tráfico de pessoas. Participaram da plenária Heloísa Greco, coordenadora nacional do Plano de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas; Daniel Salgado, procurador da República em Goiás; Marcel Hazeu, pesquisador da Organização Não-Governamental (ONG) Sociedade de Defesa dos Direitos Sexuais na Amazônia (Sódireitos).

Heloísa Greco falou sobre o II Plano de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Ministério da Justiça. Entre outras questões, Heloísa apontou a vulnerabilidade das vítimas e disse que as metas do plano de enfrentamento se pautam também nessa questão. Ela abordou, ainda, a necessidade de se discutir o tráfico de pessoas de forma transversal, com o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) e outras instituições.

Sobre o II Plano de Enfrentamento, Heloísa apontou que ele deve ser executado entre 2013 e 2016, possui 115 metas e mais cinco linhas operativas: reformulação do marco regulatório, fortalecimento da rede de combate, capacitação dos agentes, realização de campanhas e produção de conhecimento. Algumas das metas e das linhas operativas foram tiradas com base no relatório do I Plano de Enfrentamento. A representante do Ministério da Justiça disse, ainda, que a legislação dificulta o combate ao crime.

Marcel Hazeu, da Sódireitos, também criticou a legislação. Segundo Marcel, o fato de alguns países só considerarem que existe tráfico de pessoas quando há exploração sexual ou prostituição não permite que outros tipos de superexploração, como a doméstica, sejam punidas. Além disso, ainda de acordo com Marcel, associar o crime à prostituição estereotipa e em nada ajuda no combate.

Hazeu disse também que é preciso pensar a organização do crime de tráfico de pessoas dentro da lógica da organização do trabalho. O pesquisador deixou a seguinte pergunta para os participantes: a quem interessa o enfrentamento do tráfico de pessoas? Outro ponto enfatizado por Marcel foi a dificuldade em transformar as falas das vítimas em políticas públicas de enfrentamento.

O procurador da República em Goiás Daniel Salgado falou sobre os desafios na investigação do tráfico de pessoas. Segundo Salgado, é preciso que os investigadores compreendam que a vítima, na maioria das vezes, não tem percepção de sua condição e muitas vezes é levada a acreditar que o aliciador está lhe fazendo um favor. Segundo o palestrante, esse é um dos fatores que impedem que o Estado consiga contar com as informações dessas vítimas.

Para Salgado, é necessário valorizar a história de vida da vítima para que ela possa confiar no Estado e se tornar fonte de informação. O primeiro dia do simpósio foi concluído com falas de ativistas integrantes da ONG Sódireitos, que cobraram melhorias na postura e na relação dos agentes públicos com as vítimas de tráfico de pessoas.

Trabalho escravo, garimpo ilegal e lavagem de dinheiro - O segundo dia de palestras foi iniciado com a exposição do procurador da República Ubiratan Cazetta sobre os desafios atuais no combate ao trabalho escravo e as competências da Justiça Federal e Estadual e de órgãos como a Polícia Federal e o Ministério Público no combate à exploração de trabalhadores.

Segundo o procurador da República, um dos maiores desafios atuais é a necessidade de entender o problema da superexploração da mão de obra. De acordo com informações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), desde 1995, quando foi criado o Grupo de Fiscalização Móvel de Combate ao Trabalho Escravo, foram libertados 30 mil trabalhadores.

Para Cazetta, há sim uma concentração de situações de trabalho degradantes em cidades afastadas e da zona rural, em fronteiras agrícolas onde o Estado é frágil e a polícia (Civil ou Federal) ineficiente, gerando a falta de fiscalização e outras condições para que a superexploração ocorra. No entanto, Cazetta observou que também é preciso atentar para o trabalho escravo no âmbito urbano. “É preciso desvincular a superexploração do trabalho da feição unicamente rural”, ressaltou.

Como exemplo, o procurador da República citou a nova preocupação com a utilização de mão de obra de imigrantes clandestinos, que, devido à sua situação irregular no país, são submetidos a condições degradantes de trabalho, normalmente no setor têxtil. Destacou, ainda, notícias de superexploração no setor da construção civil – até em obras vinculadas ao governo federal, como as do Minha Casa Minha Vida e Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

O procurador da República no Tribunal de Caiena, na Guiana Francesa, Ivan Auriel, falou sobre as condições da criminalidade no país e as estruturas judiciais francesas. Ele explicou como atuam os grupos criminais em um país que tem 80% do seu território coberto por florestas tropicais, ressaltando as dificuldades de controle sobre os mais de 700 km de fronteira com o Brasil.

O tenente da seção de Caiena da Polícia Militar francesa (Gendarmerie), Jean-Pierre Arrecot, apresentou estudos sobre a garimpagem ilegal de ouro nas florestas da Guiana. De acordo com a pesquisa, a maior parte dos garimpeiros ilegais presentes no país vem do Estado brasileiro do Maranhão, apesar da ausência de fronteiras do Estado com a Guiana Francesa. O estudo reforça que essa atividade ilegal aumenta os índices de desmatamento e criminalidade na região.

O segundo dia de debates continuou no período da tarde com a discussão sobre lavagem de dinheiro e a cooperação jurídica internacional. A primeira palestrante foi a magistrada francesa Carla Deveille-Fontinha, que falou sobre a cooperação jurídica entre Brasil e França e apontou aspectos do enfrentamento à lavagem de dinheiro na França.

Segundo a magistrada, é preciso focar na formação conjunta entre os países e desenvolver a cooperação jurídica internacional tendo como exemplo acordo bilateral entre Brasil e França firmado em 1996. A juíza indicou também a necessidade de se respeitar os quesitos básicos no preenchimento de documentos de pedido de confisco, como dados para contato, tipificação do crime e a especificação do vínculo entre o bem que se pretende apreender e o crime cometido.

A respeito da experiência francesa, Carla Deveille-Fontinha relatou como a criação de uma agência responsável por administrar os bens confiscados ajudou a Justiça da França. A agência, que foi lançada com recursos do Estado, passou a se autofinanciar.

A procuradora regional da República na 4ª Região Carla Veríssimo de Carli alertou que a lavagem de dinheiro é um crime em expansão, e explicou como a questão é tratada na legislação de vários países, como Itália, Espanha e Estados Unidos. E o procurador regional da República na 4ª Região Douglas Fischer detalhou a nova lei de lavagem de dinheiro (Lei n. 12.683, de julho de 2012, que alterou a Lei n. 9.613, de 1998).

O procurador da República no Amapá Miguel de Almeida Lima falou do enfrentamento ao crime organizado em um estado fronteiriço. Lima apresentou exemplos de ações envolvendo o Amapá e países vizinhos e destacou a necessidade de haver representantes do Brasil nesses países para que possa ser estabelecido um melhor diálogo entre essas nações. Para o procurador da República, essa é uma solução possível enquanto os agentes que atuam nas fronteiras não estiverem bem capacitados.

Descriminalização e tráfico de drogas - O último dia do simpósio foi dedicado aos debates sobre o panorama atual do combate ao tráfico de drogas. O procurador regional da República na 5ª Região Wellington Cabral Saraiva deu início às discussões citando uma estimativa sobre o comércio ilegal de drogas: segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), esse comércio faturava, em 2003, 320 bilhões de dólares por ano.

Para o procurador regional da República, é preciso analisar a relação entre as políticas repressivas e seus resultados. Saraiva afirmou que, apesar da ausência de registros oficias, não há indícios de que a ação dos órgãos repressores tenha levado a uma retração do tráfico - pelo contrário, houve aumento dos preços das drogas e fortalecimento das quadrilhas.

De acordo com o procurador regional da República, o aumento nos preços da droga está ligado, principalmente, à corrupção de agentes criminais e policiais, necessária para a continuidade da atuação dos criminosos mesmo dentro de cadeias e presídios. Segundo Saraiva, a grande quantidade de prisões relacionadas ao tráfico é responsável pela superlotação e iminente colapso do sistema penitenciário.

O procurador regional da República apresenta como possível solução para o problema uma flexibilização das políticas de repressão às drogas leves e a descriminalização do uso da maconha por meio do fornecimento controlado pelo Estado a usuários cadastrados, além de tratamentos eficientes para dependentes químicos que busquem a desintoxicação. “A política de internamento compulsório é ineficaz. Tratar dependente químico como criminoso é um erro”, ressaltou.

O procurador regional da República na 3ª Região Luiz Carlos dos Santos Gonçalves fez um histórico da legislação sobre drogas no Brasil, descrevendo, ainda, as discussões travadas na comissão responsável pela proposta de revisão do Código Penal, da qual foi relator. E o juiz criminal e professor de Direito José Henrique Torres citou dados mundiais sobre a ineficácia dos moldes atuais da repressão ao tráfico de drogas. A lógica bélica, a ideologia proibicionista, a militarização do combate às drogas na América Latina e a prevalência das razões do Estado são alguns dos equívocos dos atuais modelos de políticas sobre drogas “primitivos e moralizantes”, disse Torres.

Ao final do simpósio, a promotora de Justiça no Pará e professora de direito Ana Cláudia Bastos de Pinho também abordou o modelo atual de combate às drogas e os discursos que permeiam a criminalização.

Trabalho escravo volta a ser discutido – O trabalho escravo volta a ser discutido na sede da Justiça Federal em Belém no próximo dia 27, em seminário promovido pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CJE/CJF), em parceria com a Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, vinculada à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR). Mais informações e inscrições em: http://www.cjf.jus.br/cjf/eventos/seminario-erradicacao.

Fonte: Assessoria de Comunicação da Procuradoria da República no Pará

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