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Sociedade civil sul-mato-grossense debate implementação de política local de acolhimento a pessoas migrantes

Durante três dias, de 16 a 18 de outubro, atividades de capacitação em Campo Grande (MS) promoveram debates sobre principais desafios à implantação de uma política local de acolhimento
publicado: 18/10/2019 09h38 última modificação: 18/10/2019 19h19
O Simpósio “Refugiados e Migrantes em Mato Grosso do Sul: Como Acolher e Integrar?" acontece no dia 17 de outubro

O Simpósio “Refugiados e Migrantes em Mato Grosso do Sul: Como Acolher e Integrar?" acontece no dia 17 de outubro

A sociedade civil sul-mato-grossense, juntamente com autoridades, acadêmicos e servidores públicos, esteve reunida entre 16 e 18 de outubro, em Campo Grande (MS), para debater os principais desafios à implantação de uma política local de acolhimento e integração. Também foram convidados a participar da discussão refugiados e migrantes que, em seus testemunhos, compartilharam as dificuldades e os dilemas enfrentados por aqueles que deixaram seus países fugindo de crises econômicas, políticas ou ambientais. 

O haitiano Junel Llora faz parte dos cerca de 4.500 haitianos que residem atualmente em Mato Grosso do Sul. Integrante da Pastoral dos Migrantes, ele aponta que a vida da pessoa que migra é muito sofrida e essa amargura pode ser atenuada com um acolhimento adequado. Junel, que veio para o Brasil em 2014, devido às consequências do terremoto em seu país de origem, conta que, depois de trabalhar nove meses na construção civil, passou a atuar na Pastoral, ajudando no amparo de outros migrantes. “O trabalho remunerado é importante, mas o trabalho com a vida é muito significativo, porque as pessoas que chegam precisam de muita assistência”. 

Para poder fomentar a discussão sobre a criação de políticas direcionadas a essa população e a articulação de uma cadeia local de atuação, durante três dias, aconteceu na capital do Estado a 11ª etapa do projeto “Atuação em rede: capacitação dos atores envolvidos no acolhimento, na integração e na interiorização de refugiados e migrantes no Brasil”. Ao longo do encontro, foram realizadas uma mesa-redonda, um simpósio e dez minicursos e oficinas. 

Entre os assuntos abordados estavam imprensa no combate à xenofobia, gênero, migração e saúde mental, direitos humanos, nova Lei de Migração e Lei do Refúgio, crianças migrantes, direitos e acesso à justiça, gestão migratória em nível local, direitos laborais e articulação de rede. Todas as atividades acontecem no Centro Universitário Unigran Capital. 

Fenômeno da migração - Segundo o diretor-geral da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU), e um dos idealizadores do projeto, João Akira Omoto, o mundo enfrenta um dos maiores fluxos migratórios da história.  De acordo com dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), 37 mil pessoas são forçadas a deixar suas casas diariamente. Ele acrescentou que, diferentemente do que se infere da percepção de parte dos brasileiros sobre o fluxo dos venezuelanos, o Brasil é um país de emigração (saída de nacionais) e não de imigração (ingresso de estrangeiros). 

Enquanto a população migrante residente é de 1,120 milhão de pessoas (Polícia Federal/2018), a emigrante é de 3,083 milhões (Ministério das Relações Exteriores/2018). “Mesmo com essa realidade, temos uma dificuldade de lidar com a temática”, ressaltou.

Em sua exposição, Akira ainda mencionou o relatório da Organização dos Estados Americanos (OEA), publicado em março deste ano, o qual estima que 3,4 milhões de venezuelanos saíram do país até o final de 2018, aproximadamente 10% da população. Os destinos são os mais variados, sendo que o Brasil aparece em sexto lugar, recebendo perto de 100 mil migrantes. Fica atrás da Colômbia (1,2 milhão), Peru (700 mil), Chile (265 mil), Equador (250 mil) e Argentina (130 mil).

De acordo com levantamento da Organização Internacional de Migração (OIM) e da Casa Civil do Governo Federal, até junho de 2019, Mato Grosso do Sul já havia recebido 904 venezuelanos interiorizados - 8,9% do total. Dourados encontra-se em segundo lugar entre as cidades com maior número de interiorizados (787), ficando atrás apenas de São Paulo (1.059).  O Estado também registra um fluxo cada vez mais crescente de imigrantes haitianos. Atualmente, cerca de 4.500 haitianos residem no Estado, sendo 1.500 em Campo Grande. 

De acordo com a procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Mato Grosso do Sul, Cândice Arosio, o Estado tem recebido muitos fluxos migratórios e ainda não há uma política organizada de acolhida. “Os migrantes vêm em busca de novas oportunidades de trabalho e, pela vulnerabilidade em que muitos se encontram, tornam-se alvo fáceis de serem vítimas de trabalho degradante. Por isso, o MPT tem um papel importante”, ressaltou. 

Esse também é o entendimento da procuradora do Trabalho Andrea Gondim, convidada a falar sobre política migratória e direito ao trabalho. Ela aponta que o migrante é a ponta mais frágil do processo, estando mais sujeito a passar por processos de exploração. “O migrante tem sido tratado com discriminação em todas as esferas, desde o não acesso a direitos, a trabalho, até passando por constrangimentos sociais. O trabalho constrói a narrativa de vida e isso vale, também, para as pessoas em situação de migração. Os órgãos públicos precisam treinar seu olhar para esse público”, observou. 

Experiência local - Ao participar da mesa-redonda “Vivências, experiências e necessidades de migrantes em Campo Grande”, migrantes que residem atualmente em Campo Grande destacaram que uma das grandes dificuldades que a pessoa em situação de migração enfrenta é a barreira do idioma. A colombiana Martha Yorladis Rave Sanchez, por exemplo, que veio ao Brasil em busca de novas oportunidades de trabalho, conta que, ao chegar no país, há mais de cinco anos, não conseguir se comunicar foi traumático. “Eu não sabia dizer ‘oi’ para as pessoas, como eu iria conseguir um trabalho? Quando entrei no curso de Português, muitas portas começaram a abrir”, acrescentou.  

“Aprender o idioma é fundamental, inclusive para se conseguir a revalidação do diploma”, afirma a boliviana Nohemy Malale Semo, enfermeira de formação, com mestrado em epidemiologia e saúde pública. Mesmo tendo se mudado para o Brasil para acompanhar o marido, que é brasileiro, ela conta que não foi fácil a adaptação e que ainda luta contra a burocracia para conseguir revalidar seu diploma e atuar na área. 

Uma experiência positiva na área é a desenvolvida pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Por meio do programa “UEMS Acolhe”, a universidade proporciona a refugiados e migrantes em situação de vulnerabilidade o acesso à aprendizagem da língua portuguesa e à capacitação em atividades de geração de renda e de inserção no mercado de trabalho. “O objetivo do programa é atuar em ciclo completo, oferecendo aulas de português, formação profissional e acesso à universidade. A base do nosso trabalho são aulas com componentes de afetividade, aliada à urgência do conhecimento linguístico”, acrescentou o professor da UEMS João Fábio Sanches Silva.

Realização – As atividades que aconteceram em Campo Grande foram são realizadas pela Rede de Capacitação a Refugiados e Migrantes. O projeto e já passou por Belém (PA), Manaus (AM), São Paulo (SP), Boa Vista (RR), Porto Alegre (RS), Recife (PE), João Pessoa (PB), Curitiba (PR), Florianópolis (SC) e Belo Horizonte (MG).  A próxima etapa acontecerá no Rio de Janeiro (RJ), no final de outubro. Vídeo promocional. 

Além da ESMPU, a Rede de Capacitação é composta pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), o MPT, o ACNUR, a OIM, a Conectas Direitos Humanos, o Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), a Defensoria Pública da União (DPU), o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), a Missão Paz e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).   Saiba mais sobre o projeto em https://escola.mpu.mp.br/h/rede   

Para a organização da edição em Campo Grande, a Rede conta com o apoio das unidades do MPT, do Ministério Público Federal (MPF) e da DPU em Mato Grosso do Sul; do Centro Universitário Unigran Capital; e de instituições públicas e organizações não governamentais envolvidas no processo de atenção ao refugiado ou migrante. 

Imagens do simpósio: https://tinyurl.com/y3bqop2a 
Imagens da mesa-redonda: https://tinyurl.com/y68ct3kn 
Imagens oficinas/minicursos: https://tinyurl.com/yxz67omo 
Apresentações: https://tinyurl.com/y2mcfrvo 

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