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Debates sobre gestão de riscos e mitigação de danos marcam segundo dia de seminário sobre emergência climática

Encontro teve início na segunda-feira (26/8) e seguiu até o fim da manhã desta terça-feira (27/8). Atividade foi transmitida pelo canal da ESMPU no YouTube
publicado: 27/08/2024 17h45 última modificação: 28/08/2024 15h08
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Foto: Divulgação/ESMPU

Gestão de riscos, responsabilidade dos poderes públicos, ações de mitigação e prevenção de desastres ambientais. Esses foram alguns dos assuntos que marcaram os debates do segundo e último dia do Seminário “Emergência Climática: repercussões jurídicas, políticas e sociais dos eventos extremos no Rio Grande do Sul”, realizado nesta terça-feira (27/8) na sede da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU). O encontro, promovido em parceria com a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e o Instituto Clima e Sociedade (iCS), foi transmitido pelo canal da ESMPU no YouTube. Assista aqui.

Primeiro painel – A promotora de Justiça do MPRS Annelise Monteiro Steigleder apresentou um breve panorama histórico sobre as inundações ocorridas no Rio Grande do Sul e destacou, em especial, a enchente de 1941, um dos momentos mais traumáticos vividos pela região. “A partir de 1941, foi construído no estado um sistema de proteção contra cheias composto por diques e casas de bombas. E que, durante muitos anos, não chegou a proteger a região sul de Porto Alegre, mas, por ser uma área de 68 km de diques, se tinha no imaginário coletivo que esse sistema era adequado e suficiente”, contou. Steigleder relatou que as discussões sobre o assunto foram deixadas de lado em decorrência da sensação de segurança que se instaurou após 80 anos sem cheias catastróficas. “Quando ocorreu a tragédia, agora em 2024, percebeu-se que o sistema de proteção contra cheias não estava sendo mantido de fato. Houve um colapso. A cidade não estava preparada para lidar com um evento dessa magnitude”, destacou.

Para a promotora, cabe ao Ministério Público, como instituição permanente e não política, acompanhar os trabalhos e diagnósticos que estão sendo feitos sobre a temática. “A lição que fica é que devemos acompanhar. E, principalmente, o MP deve assumir o seu papel como articulador entre órgãos e atingidos”, concluiu.

Já o advogado e especialista Délton Winter de Carvalho trouxe ao debate o papel do chamado Direito dos Desastres. “Desastre é uma equação, resultado de risco mais vulnerabilidade. Os nossos riscos climáticos estão aumentando pela emergência climática. O Brasil nessa equação tem dez milhões de pessoas vivendo em áreas de risco. Mais do que isso, temos tido prejuízos históricos e temos historicamente investido em reparação, em pós-desastre, e não em prevenção.” Winter destacou que, segundo dados do Tribunal de Contas da União, nos últimos dez anos o país vem reduzindo a previsão orçamentária para casos de prevenção a desastres. “Ou seja, nossos riscos estão aumentando e a nossa vulnerabilidade da mesma forma, porque estamos investindo cada vez menos. É aqui que o Direito tem um papel fundamental, o de combate à vulnerabilidade”, pontuou.

Entre as ações de mitigação e prevenção possíveis, o especialista destaca que municípios e estados devem ter mapas de risco em seus planos diretores. Winter defende, ainda, a criação de uma agência nacional como autoridade competente para implementação de políticas de redução e gestão de riscos de desastres. “Hoje essas políticas estão desmembradas entre vários ministérios. E isso tem custado muito caro para o país”, finalizou.

O diretor regional da File Foundation para América Latina e Caribe, Caio de Souza Borges, fez sua exposição a partir da ótica jurídica do clima. Após levantamento sobre as ações judiciais propostas no caso concreto do Rio Grande do Sul, ele percebeu que há questões novas sendo colocadas, que não apareciam nas litigâncias climáticas anteriores. “Uma delas é que existe um regime jurídico da mudança do clima que a gente não estuda nas faculdades. A construção desse regime tem uma lógica jurídica muito própria. O regime privilegiou os princípios da cooperação e da universalidade, e não da responsabilidade. E isso acaba não oferecendo, de maneira rápida, quem são os culpados”, refletiu.

Por fim, Borges defendeu a criação de um regime de governança permanente de prevenção de desastres, baseado, entre outros aspectos, em dois pilares fundamentais. “O primeiro, que garanta consistência e integração entre as diferentes políticas públicas sobre o tema, e o segundo, que permita incorporar na construção de políticas públicas os cenários e as projeções sobre o futuro do comportamento do clima. Sem esses dois elementos, o regime jurídico estaria fadado a ser incompleto.”

Segundo painel – A juíza federal substituta do TRF da 4ª Região Rafaela Santos Martins da Rosa abriu os debates do segundo painel conceituando o termo dano climático como o ato de violação ou risco de violação intolerável ao sistema climático, considerado um bem jurídico. “O sistema climático está definido como uma unidade planetária integrada, composta por elementos naturais, como a atmosfera, os oceanos, a superfície terrestre e a biosfera. As emissões já superam o mero impacto e causam uma interferência danosa no sistema climático”, afirmou.

Martins da Rosa destacou que o risco da mudança do clima é uma questão existencial para a espécie humana e explicou como a Ciência de Atribuição de Fonte Emissora está sendo utilizada na litigância climática e de desastres. “É possível isolar os dados por meio de métodos e formas de cálculos que permitem o rastreio de emissões pretéritas e estimativas de emissões futuras. Com isso, está sendo possível responsabilizar Estados e corporações pela adoção de ambição climática, além de pessoas físicas e jurídicas por emissões ilegais pretéritas.”

A professora e especialista Mercedes Bustamante lembrou que o relatório de 2012 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) já previa a gravidade dos impactos dos extremos climáticos e a importância de se mitigar e se adaptar às transformações climáticas, que, segundo ela, ocorrem muito mais rápido que as transformações sociais. “Tivemos mais de uma década de avisos. Contudo, o Brasil falhou e entrou tarde demais na discussão. Focou na mitigação porque a atmosfera é um bem comum global, mas, por outro lado, aderiu tardiamente à agenda da adaptação.”

Bustamante destacou como o conhecimento é fundamental neste processo de mudanças climáticas e demonstrou que o número de publicações científicas sobre o assunto vem crescendo amplamente desde 1990. “Ao olharmos a distribuição dessa literatura, percebemos que o conhecimento também é desigual. A concentração dos estudos está nos EUA, na China e na Índia. Precisamos trabalhar ações efetivas para o nosso país, para que sejamos capazes de produzir conhecimento regional e nacional”, afirmou.

Ao encerrar o debate, a procuradora da República Patrícia Nuñez Weber fez breve reflexão sobre os desafios do MP brasileiro quanto à ciência climática e, especialmente, sobre o que aconteceu no Rio Grande do Sul. “E se ocorresse hoje a mesma coisa? Eu acho que seria tudo igual. Seria igualmente caótico, pois estamos igualmente despreparados”, alertou. Weber destacou que a população menos favorecida economicamente é sempre a mais vulnerável e chamou atenção para o cenário de desigualdade que fere a garantia de direitos fundamentais. “Estamos falando de uma questão de direitos humanos. As normas climáticas são, para mim, normas de direitos humanos e por isso não podem ser desconsideradas”, refletiu.

Exposição fotográfica - O público da ESMPU pôde conferir, ainda, a exposição "As enchentes do Rio Grande do Sul - 1941 x 2024". A mostra retrata alguns registros das inundações que o estado gaúcho sofreu nos de 1941 e 2024, fazendo um contraponto entre passado e presente. As fotografias são do fotógrafo Jorge Guerino Lansarin e do acervo do Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo. A exposição está aberta ao público no Espaço Cultural da ESMPU, até 20 de setembro, de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h.

Confira fotos do segundo dia.

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