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Defesa dos direitos sociais e da regulamentação da contratação por meio de aplicativos é destaque em debate sobre futuro do trabalho
Simpósio contou com a participação de especialistas de diferentes áreas e autoridades de instituições do âmbito jurídico trabalhista.
Especialistas de diferentes áreas e autoridades de instituições do âmbito jurídico trabalhista fizeram, nesta quinta-feira (11/7), defesa dos direitos sociais e da regulamentação da contratação de trabalhadores por meio de aplicativos. O debate ocorreu durante a sexta edição do Simpósio “Futuro do Trabalho: os Efeitos da Revolução Digital na Sociedade”, em Brasília. Na ocasião, entre outros temas, discutiram-se os impactos das transformações tecnológicas no mundo do trabalho e na renda, a “uberização”, a intensificação do ritmo de trabalho, a automação e o desemprego.
Na primeira parte da atividade, foi realizado o painel “Os efeitos da tecnologia digital na sociedade”. Um dos convidados a debater a questão foi o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra João Leal Amado. Logo no início de sua fala, o catedrático português afirmou que cada vez que participa de eventos no Brasil, fica mais preocupado com a “involução do Direito do Trabalho”. De acordo com ele, da mesma forma como ocorreu no Brasil, o mote orientador de reformas trabalhistas e liberais por toda a Europa é que, em épocas de crise, é preciso diminuir a proteção trabalhista em nome da competitividade e do aquecimento da economia.
Ao falar sobre a realidade de Portugal, João Leal Amado disse que o fenômeno da prestação de serviço por meio das plataformas digitais é diversificado. A lei que regulamenta as plataformas eletrônicas de transporte, como Uber, foi aprovada em agosto de 2018, entrando em vigor três meses depois. Segundo o professor, a legislação não chega a ser uma lei trabalhista, mas acaba tendo reflexo no mundo do trabalho.
Para o painelista português, as novas formas de prestação de serviço mediado por plataformas eletrônicas tornaram-se um desafio para todos os operadores do Direito. “Começa agora a se discutir como vai se qualificar a regulação jurídica desses trabalhadores”, indagou.
Ao fazer um apanhado das decisões judiciais sobre a questão, Amado explicou que a qualificação da relação jurídica entre o motorista e a empresa dona da plataforma tem gerado jurisprudências oscilantes: algumas decisões afirmam que há uma relação de trabalho e outras atestam que não há. “Então, estamos em um universo jurídico de grande insegurança e incertezas”, avaliou.
Entretanto, ele acrescentou que, em Portugal, assim como na maior parte do Ocidente, vigora o clássico “princípio da primazia da realidade”, isto é, o que interessa não é o nome dado ao contrato, mas o conteúdo dele. “Não é o rótulo que nos interessa, mas o conteúdo. Acredito que esse princípio continue a ser utilizado nos tribunais para tratar dessas novas relações de trabalho”.
Em ressalva, o professor da Universidade de Coimbra avaliou que a realidade digital e os avanços tecnológicos têm muitos pontos positivos, mas é preciso entender qual tipo de relação de trabalho se estabelece e quais especificidades precisam ser regulamentadas. “Não sou contra o progresso científico e tecnológico. A prestação de serviços por meio dessas plataformas trouxe qualidade para o serviço e benefícios para os usuários, mas precisa ser regularizada para que não haja concorrência desleal ou exploração de mão de obra”.
A segunda debatedora do primeiro painel, a representante da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho e doutoranda em Desenvolvimento Econômico Paula Freitas de Almeida, fez uma análise socioeconômica da temática, frisando que o futuro do trabalho apresenta relação com a dinâmica e a estruturação econômica, as opções de desenvolvimento socioeconômico, os padrões tecnológicos, as relações de poder e a organização da vida social.
Segundo a pesquisadora, são três as ordens de transformação do mundo do trabalho: o trabalho sob o capitalismo contemporâneo; a reconfiguração das classes trabalhadoras; e as reformas e suas consequências para a vida de quem trabalha. “A regulação da proteção do trabalho entrou em crise primeiro na Europa, em 1970, e depois na América Latina. No final dos anos 1990, começamos a fazer uma flexibilização do trabalho e da proteção social e, a partir de 2015, estamos em um processo de desregulação do direito do trabalho em prol do capital”.
Em sua exposição, e refletindo sobre a situação brasileira, Paula Almeida avaliou que as relações de trabalho estão sendo colocadas em xeque, e o país caminha para uma ausência de regulação. Citou como consequências desse processo o aumento da desigualdade social e dos rendimentos do trabalho; o avanço da heterogeneidade, com predominância da sociedade de serviços; a polarização do mundo do trabalho; o descrédito das instituições de representação social e política; e a submissão das pessoas a maior concorrência, insegurança e vulnerabilidade. “O desenvolvimento econômico não faz sentido sem o desenvolvimento humano. A Constituição Federal fala em emprego e distribuição da riqueza por meio da justiça social”, destacou.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quatro dos maiores aplicativos de serviços (Uber, 99, iFood e Rappi) “empregam” 3,8 milhões de trabalhadores autônomos. O dado representa 17% do montante de 23,8 milhões de empregados na condição de autônomos. “O aumento do desemprego, a falta de perspectiva de reingresso no mercado de trabalho formal e a competitividade do trabalho informal criam um terreno fértil para aumento do número de prestadores de serviços de aplicativos”, comentou Paula Freitas.
Segundo Paula Freitas de Almeida, entre as tendências das relações de trabalho, aplicável ao Brasil, estão a introdução de modalidades atípicas de contratação, despadronização da jornada de trabalho, remuneração variável, fragilização das instituições de regulamentação e diminuição da proteção social. “Estamos criando um sistema de potencialização da vulnerabilidade social”, afirmou.
Proteção do Trabalhador - O segundo painel discutiu “A proteção do trabalhador diante dos avanços da tecnologia digital”. A professora auxiliar da Escola de Direito da Universidade de Minho Teresa Alexandra Coelho Moreira foi convidada a apresentar os impactos da revolução digital na saúde do trabalhador. Em sua concepção, a sociedade está rapidamente passando de uma sociedade digital para uma de controle total. “O desrespeito ao limite de jornada e à capacidade de produção do trabalhador está gerando consequências negativas na saúde, como aumento das crises de ansiedade e de estresses, depressão, síndrome de burnout e até mesmo suicídio”, avaliou.
Para a acadêmica portuguesa, por trás de conceitos como trabalho cooperativo, teletrabalho e trabalho intermitente está uma “competição cruel”. Ela defende a prevenção como um princípio basilar e, por isso, um dos desafios, a partir da revolução digital, é o de antecipar os riscos psicossociais oriundos das relações de trabalho mediado pelas novas tecnologias. “Temos de pensar em um trabalho que, no futuro, seja mais saudável e decente, tendo como base o princípio da dignidade da pessoa humana”.
Desembargadora federal do Trabalho da 3ª Região, Adriana Gulart de Sena Orsini apresentou alguns conceitos relacionados à produção, ao armazenamento e à utilização de dados, como big data e datificação.
Utilizado na Tecnologia da Informação, o termo big data trata de grandes conjuntos de dados que precisam ser processados e armazenados. “O big data é uma mudança social e cultural. É uma nova fase da revolução industrial. São dados reunidos para serem vendidos, trabalhados, melhorados e modificados. Entendo que não se trata apenas de uma tecnologia, mas de um fenômeno que temos de saber lidar de forma responsável”, explicou.
A datificação, por sua vez, significa a crescente transformação da vida humana em dados possíveis de armazenamento e monitoramento. “Trata-se de uma ação social em dados online quantificados, que permitem monitoramento em tempo real e análise preditivas”.
Segundo a desembargadora, os dados das pessoas estão sendo colhidos e, a partir deles, estão se fazendo análises preditivas, identificando-se padrões, por exemplo, de consumo, de orientação sexual, condição de saúde e posicionamentos político-ideológicos. Até mesmo as decisões do Judiciário estão sendo transformadas pelo big data, fazendo com que sentenças de juízes possam ser antecipadas a partir de sua exposição. “Estamos sendo mapeados. Esse é o meu alerta. É crescente a necessidade de se proteger a intimidade, a privacidade e o controle do tratamento de dados sensíveis”, acrescentou Adriana Gulart.
Repercussão - Ao abrir o Simpósio Futuro do Trabalho, a procuradora do Trabalho Vanessa Patriota da Fonseca, coordenadora de ensino da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) – instituição promotora do evento –, avaliou que o avanço da civilização sempre esteve associado às grandes transformações tecnológicas. Entretanto, há uma preocupação de como essas novas tecnologias podem afetar a vida dos trabalhadores. “Por isso, os olhares da sociologia jurídica começaram a se voltar para temas como invasão da privacidade, utilização de dados biomédicos, excesso de jornada decorrente do teletrabalho, falta de direito a desconexão, substituição dos trabalhadores por robôs e contratação precária de trabalhadores por meio de aplicativos”.
A importância de espaço de debates como o proporcionado pelo simpósio foi lembrada pelo vice-procurador-geral do Trabalho, Luiz Eduardo Guimarães Bojart, o qual acrescentou que a revolução digital vem mudar todos os aspectos da sociedade e das relações trabalhistas. O vice-presidente da Associação Nacional de Procuradores do Trabalho, Helder Santos Amorim, por sua vez, afirmou que “estamos vivendo o caminho inverso de toda medida de regulação e desregulação civilizatória do trabalho para o futuro”.
Representante da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luiz Antônio Colussi fez uma defesa dos direitos sociais, destacando que as tecnologias promoveram substancial alteração nas relações de trabalho, e o trabalhador não consegue mais se desligar, sendo acionado a qualquer momento. “Ao não conseguirmos nos desligar, nossa saúde física e mental é drasticamente impactada. Temos de colocar limites e ter limites para essa exposição”, afirmou. Colussi disse ainda acreditar que há espaço para resistir, para se cumprir a Constituição Federal e defender a dignidade da pessoa humana como um valor absoluto e fundamental.
Também participaram da mesa de abertura a vice-procuradora-chefe da Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região, Heloisa Siqueira de Jesus; a superintendente regional do Trabalho no Distrito Federal, Isabela Galvão Diniz; o representante do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Antônio Fabrício de Matos Gonçalves; e o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, Carlos Fernando da Silva Filho.
Confira as fotos do simpósio em na Galeria de Imagens.
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