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Seminário sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos encerra com debates sobre desafios e perspectivas para o futuro

Atividade acadêmica da ESMPU realizada em Brasília nesta quinta-feira (30/11) destacou a relevância e o impacto do documento histórico, que completa 75 anos em 10 de dezembro
publicado: 01/12/2023 12h03 última modificação: 01/12/2023 12h23
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Foto: Divulgação/ESMPU

A segunda parte do Seminário “75 Anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos: legados e desafios para a democracia e os direitos humanos”, realizada na tarde desta quinta-feira (30/11), reuniu especialistas e juristas de renome para discutir o papel da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) no fortalecimento da democracia e dos direitos em espécie, além de estabelecer um debate sobre as perspectivas de futuro para o documento que completa 75 anos em 10 de dezembro. Confira as fotos do evento.

A primeira painelista, a professora de Direito Constitucional Eloísa Machado de Almeida, da FGV Direito São Paulo, abordou os desafios enfrentados na implementação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) na atualidade, com destaque para o momento de crise democrática vivido recentemente pelo Brasil. Segundo ela, nos últimos quatro anos, promoveu-se no país uma erosão democrática, em que direitos humanos e fundamentais foram atacados, comprometendo a capacidade de proteger minorias. “Há uma construção de uma lógica de exclusão de determinados grupos, implementada, inclusive, através dos órgãos estatais”, explicou.

A professora pontuou que o Brasil experimentou uma “particular crise democrática, com base em um infralegalismo autoritário, em que não foi preciso alterar a Constituição para implantar essas ameaças, operando-se na base infralegal, com decretos, regimentos, portarias”. Para ela, a existência de uma burocracia sólida, segura e estável, com instituições transparentes e com autonomia dada a seus membros, foi o que fez o país resistir e conter danos mais graves. “Nestes 75 anos de aniversário da declaração, é hora de repensar como trazer os princípios orientadores do documento para a nossa prática para não sofrermos mais um retrocesso democrático num curto espaço de tempo”, concluiu.

Para o ministro do Tribunal Superior Eleitoral Floriano de Azevedo Marques Neto, a DUDH é um instrumento ainda em construção, com histórico de conquistas e retrocessos, e a implementação de seus princípios ainda é um desafio. Segundo ele, passados 75 anos, há problemas atuais que a cultura, o fundamento e a lógica que perpassava a declaração talvez não estejam mais conseguindo enfrentar. “A declaração foi pensada em um mundo que não existe mais. Hoje observamos a dificuldade de os Estados implementarem os direitos de inclusão e igualdade, sofremos a vigilância tecnológica da intimidade, acompanhamos o uso de lawfare, percebemos o desafio à democracia imposto pelo neopopulismo e experimentamos a manipulação digital, a eugenia da intolerância e o avanço dos mecanismos de inteligência artificial”, descreveu. Por fim, ressaltou a importância de se refletir sobre os desafios da contemporaneidade à efetivação dos princípios da declaração: “Não é hora nem de celebrar, nem de abandonar a luta. Mas também é hora de nos apercebermos que o inimigo agora é outro.”

Ao finalizar o painel, o ministro do Tribunal Superior do Trabalho Luiz Philippe Vieira de Mello Filho apresentou um recorte sobre a implementação dos princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, abordando, sob a perspectiva de atuação do Judiciário na ADPF 828, as tentativas de equacionar conflitos relacionados à disputa fundiária no Brasil e ao direito à moradia, garantia incluída na DUDH. “Nosso desafio é uma mudança cultural. É evidente que as soluções jurídicas não têm sido suficientes. Os processos de concretização de direitos precisam ser plurais, diversos e acima de tudo democráticos. Sem a moradia, não há expectativa para o ser humano em nenhum aspecto da sua cidadania”, alertou. O ministro defendeu ainda a importância do diálogo interinstitucional e da inovação na justiça para vencer os desafios impostos aos direitos humanos e acolher a demanda de uma sociedade desigual e vulnerável. “É somente com responsabilidade coletiva que podemos avançar nos desafios. Depende de homens e mulheres dispostos a participar desse processo de transformação para que todas as portas dos direitos fundamentais sejam abertas aos brasileiros”, concluiu.

Olhando para o futuro – O terceiro e último painel do seminário abordou as perspectivas da DUDH para os próximos tempos. Para o subprocurador-geral da República Nicolao Dino de Castro e Costa Neto, que presidiu os trabalhos, a ideia da historicidade dos direitos humanos é de algo que se reconstrói e se ressignifica de forma não linear. “Para isso, precisamos olhar para o passado, sempre com a perspectiva de reforçar, aprimorar e incrementar, no futuro, a realização dos direitos humanos”, observou.

De acordo com o professor Aziz Tuffi Saliba, do Departamento de Direito Público da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o mundo hoje está melhor do que estava antes, com melhorias significativas como aumento da expectativa de vida, redução da mortalidade infantil, entre outras. “Evidentemente nós não avançamos por mágica, mas por lutas. E a DUDH é um marco fundamental nessas lutas porque nos propiciou uma gramática e um vocabulário de direitos humanos, e um mínimo denominador comum para toda a humanidade”, explicou. No entanto, o professor indagou se a DUDH, nos termos e nas condições em que foi elaborada, seria aprovada hoje, tendo em vista os riscos de retrocessos apresentados pela má compreensão de direitos já consolidados. “Embora seus princípios tenham sido incorporados ao Direito Internacional, no atual contexto é muito mais desafiador alcançar um consenso sobre a DUDH. Temos avanços tecnológicos cada vez mais aptos a nos manipular, além do aumento da desigualdade global, do desrespeito ao meio ambiente, que culminou na crise climática, do alto número de conflitos desde a Guerra Fria e da desconfiança na ciência”, listou. Ao concluir sua fala, o professor alertou para a importância de a humanidade cada vez mais se voltar à alteridade, buscando se guiar por essa regra de ouro que tão bem ilustra a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Na sequência, a professora Ana Maria D’Ávila Lopes, titular da Faculdade de Direito da Universidade de Fortaleza (Unifor), apresentou um recorte sobre o futuro dos direitos humanos, destacando a temática dos neurodireitos. “Após 75 anos, a DUDH protege as novas reivindicações da sociedade? Protege o ser humano diante dos avanços da neurociência?”, questionou. Segundo a professora, apesar dos benefícios para diversos campos, a neurociência e a neurotecnologia trouxeram preocupações, sendo a ideia de “melhoramento do ser humano” uma das mais intrigantes. “Hoje há chips que podem aprimorar a capacidade humana. A neurotecnologia permite saber mais de nós do que nós mesmos sabemos. Por isso, essa questão do melhoramento tem vários riscos”, alertou. Diante desse quadro, Ana Maria D’Ávila Lopes propôs cautela e sinalizou que o caminho está em uma legislação que contemple a preservação dos direitos humanos no contexto dessas novas tecnologias: “O ramo dos neurodireitos é uma forma de conter os riscos à dignidade da pessoa humana, com foco no direito a livre-arbítrio, privacidade mental, identidade pessoal, acesso equitativo e proteção contra preconceitos algorítmicos”.

Ainda no âmbito das novas tecnologias, a juíza federal Cíntia Brunetta destacou o espaço digital como um território onde novos desafios aos direitos humanos emergem. “Embora represente uma arena para a inovação e a expressão, o contexto digital apresenta uma dupla face. A liberdade de expressão, por exemplo, é ampliada com o chamado ativismo digital em prol da defesa dos direitos humanos e da democratização do conhecimento, mas ao mesmo tempo há nesse espaço a disseminação de desinformação, discursos de ódio, e a repressão de vozes dissidentes”, argumentou. Para ela, é natural que novos direitos surjam a partir da evolução tecnológica, o que desperta a necessidade de uma observação atenta do contexto atual para a garantia desses direitos: “A humanidade está evoluindo, e esses direitos vão surgindo porque este momento exige que cada um ocupe seu espaço. A única forma de garantirmos os direitos humanos no mundo contemporâneo é nos apropriarmos do que está acontecendo e dos mecanismos que o mundo está nos oferecendo”, ressaltou.

O encerramento do painel ficou a cargo do representante regional para o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) na América do Sul, Jan Jarab. Ele exaltou a iniciativa da ESMPU de trocar ideias sobre a DUDH, seu legado e os desafios no mundo de hoje, e defendeu a importância do documento para a humanidade. “Sabemos que a declaração é um texto que surgiu da deliberação coletiva de pessoas excepcionais. Portanto, envelheceu muito bem. Até o momento, não há nenhum artigo do documento que pareça inadequado ou visivelmente anacrônico na perspectiva atual”, afirmou. Jarab reconheceu que muitas questões não foram abordadas em razão do contexto histórico, cultural e social vivido há 75 anos, mas que isso não representa um problema, tendo em vista a revisão gradual de instrumentos de direitos humanos feita pelos países. “A construção do que entendemos como direitos humanos representa uma obra viva não acabada. É uma tarefa ponderada. Portanto, os 75 anos não são só para celebrar, mas para os Estados reafirmarem seus compromissos e se sensibilizarem aos direitos do diferente. Não só para criticar violações de direitos, mas para construir sociedades mais justas, humanas e democráticas”, completou.

Ao finalizar o evento, a diretora-geral da ESMPU, Denise Neves Abade, agradeceu a participação dos especialistas de renome, líderes em direitos humanos que, segundo ela, puderam discutir de forma profunda e perspicaz a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ela explicou que a tônica do seminário foi celebrar a DUDH e marcar a importância da busca pela conservação dos direitos humanos e da democracia. “Nosso país muito recentemente enfrentou desafios bastante significativos à sua democracia e aos direitos humanos. E as lições que aprendemos nesses eventos tão sombrios são cruciais. Embora pareça termos superado essas adversidades, o passado ainda é muito recente. Não acabou ainda, e a missão do Ministério Público e da Escola é intrínseca a essa luta de resistência”, concluiu.

Diálogo interdisciplinar – O Seminário “75 Anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos: legados e desafios para a democracia e os direitos humanos” reuniu na sede da ESMPU juristas, representantes de diversas instituições públicas, além de acadêmicos e estudiosos da temática. Entre os objetivos propostos para a atividade, esteve a promoção de um diálogo interdisciplinar para entender os direitos humanos e sua aplicação em diferentes setores. Clique aqui para assistir à íntegra do evento no canal da ESMPU no YouTube.

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