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Site sobre a atuação do MPF em Justiça de Transição é lançado durante simpósio em São Paulo

Evento promovido pela ESMPU teve conferência do brasilianista James Green e a participação do Vice-PGR, da PFDC, de procuradores e de ex-presos políticos e familiares de mortos e desaparecidos
publicado: 25/02/2019 15h54 última modificação: 25/02/2019 15h54
Durante o simpósio, houve conferência do professor norte-americano James N. Green, especializado nos movimentos sociais do final da ditadura brasileira

Durante o simpósio, houve conferência do professor norte-americano James N. Green, especializado nos movimentos sociais do final da ditadura brasileira

O Ministério Público Federal lançou, na última sexta-feira (22/02), o site sobre a atuação da instituição em Justiça de Transição ( https://www.justicadetransicao.mpf.mp.br ). O lançamento ocorreu durante simpósio “20 Anos de Ministério Público Federal na Justiça de Transição”, realizado na sede da Procuradoria da República no Estado de São Paulo, unidade do MPF onde esse trabalho, hoje nacional, começou há 20 anos.

Justiça de Transição é o conjunto de medidas judiciais e não judiciais que têm sido implementadas por diferentes países para reparar um legado de massivos abusos aos direitos humanos. O MPF iniciou sua trajetória neste campo em 1999 quando recebeu uma representação pedindo a abertura de uma investigação a respeito da demora na identificação dos restos mortais dos desaparecidos sepultados na Vala de Perus, em São Paulo. A partir de então, procuradores provocaram as autoridades e contribuíram decisivamente na identificação de cinco desaparecidos.

Com o tempo, a instituição passou a buscar também a responsabilização de agentes por mortes e desaparecimentos no período, tanto na esfera cível como na penal. Entre 2012 e 2019, foram oferecidas 38 denúncias, pedindo a responsabilização criminal de 59 agentes de Estado por violações cometidas contra 50 vítimas. Hoje, o trabalho que começou no MPF em São Paulo se espalhou por todas as regiões do país. Mais recentemente, a instituição iniciou uma série de ações em busca de reparações para povos indígenas atingidos pela repressão associada a políticas econômicas durante a ditadura. 

O conteúdo do site, desenvolvido pela Secretaria de Comunicação da PGR, foi compilado pelo jornalista Marcelo Oliveira, assessor de comunicação do MPF em São Paulo, e ex-assessor de comunicação da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que durante um ano entrevistou procuradores e familiares de mortos e desaparecidos. Ele também fez pesquisas nos acervos da instituição e da CNV. 

Antes do site, o internauta, para localizar toda a atuação do MPF em Justiça de Transição, precisava acessar diferentes páginas. Agora, as informações foram reunidas e  divididas em quatro eixos de navegação: temático (que conta a história da atuação do MPF dividida por cinco grandes temas: Justiça de Transição, Memória e Verdade, Criminal, Povos Indígenas e Atuação da PGR); cronológico, com uma linha do tempo relacionando as iniciativas do MPF às demais iniciativas de Justiça de Transição no Brasil; documental, com tabelas que dão acesso direto aos dados judiciais e às peças iniciais de todas as ações penais (denúncias) e cíveis (ações civis públicas); e multimídia, com fotos, entrevistas em vídeo e acesso para todas as publicações do MPF sobre o tema, além de links para o relatório da CNV e para os sites da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), Comissão de Anistia e para o site do projeto Brasil: Nunca Mais – Digit@l. 

Simpósio – O simpósio “20 Anos de Ministério Público Federal na Justiça de Transição” foi promovido pela Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU). Na fala inaugural, o procurador-chefe da PR/SP, Thiago Lacerda Nobre, ressaltou que a atuação do MPF sobre Justiça de Transição, que começou em São Paulo, “só ocorreu no MPF e no nosso país por existir o MPF independente, previsto na Carta Cidadã de 1988, com independência funcional”. 

Para a coordenadora da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão (Criminal), Luiza Frischeisen, a Justiça de Transição abre a possibilidade de o país ver o que aconteceu no passado para permitir novas possibilidades no futuro, pois “não há futuro sem memória”. Sobre o posicionamento conservador da Justiça Federal, que rejeita a maior parte das ações propostas pelo MPF, Frischeisen afirmou: “Sempre me perguntam, ´Por que persistir com as ações se a Justiça é tão refratária?’ Porque é nosso dever". 

Em sua primeira intervenção, a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, frisou que o Brasil tem uma tradição de transições negociadas e que não fez uma transição sobre o período colonial, nem sobre a escravidão. A procuradora também criticou a péssima situação de conservação de vários arquivos brasileiros, os quais considera sob risco. 

Também presente na abertura do evento, o vice procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, ressaltou a importância dos familiares dos mortos e desaparecidos e dos ex-presos políticos na Justiça de Transição brasileira: “Nesse tema quem mais tem que ter voz é quem mais lutou sobre isso. O esforço do MPF é se fazer uno com os que sofrem pelos mortos e desaparecidos. Uma dor sobre a qual paira a eterna ameaça de repetição”, afirmou. 

Justiça de transição - Idealizador do site, o Procurador Federal dos Direitos do Cidadão Adjunto, Marlon Alberto Weichert, contou, em sua participação, a história dos primeiros anos da atuação do MPF em Justiça de Transição (leia mais no site ) e fez questão de lembrar do papel do então procurador-geral da República Antonio Fernando Souza para estimular os procuradores da República a seguir discutindo e, principalmente, a atuar nos casos. Na época, a instituição iniciava as discussões sobre a possibilidade de persecução penal das graves violações de direitos humanos,

Em seguida, Crimeia Alice Schmidt de Almeida, representante dos familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, e também uma vítima do regime militar que foi torturada grávida pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (que comandou o Doi-Codi do II Exército), contou como foi a relação entre a sociedade civil e o MPF ao longo desses 20 anos de atuação. “No começo eu desconfiei, mas o MPF foi a única ajuda governamental, por assim dizer, que a gente teve. A Constituição promoveu uma mudança radical no MPF, afinal eram os procuradores que nos acusavam na Ditadura”, lembrou. 

Além de Crimeia, o evento contou com a presença de outros ex-presos políticos e familiares, entre os quais Anivaldo Padilha, que foi assessor da CNV; Vera Paiva, filha do deputado Rubens Paiva, até hoje desaparecido; o ex-deputado estadual Adriano Diogo, que foi presidente da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo; e Diva Santana, do Grupo Tortura Nunca Mais. 

A presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, a procuradora regional da República Eugênia Gonzaga, também falou sobre a história da atuação do MPF e da Comissão na luta pela identificação dos restos mortais de desaparecidos. Desde que Eugênia começou a atuar no tema já foram realizadas cinco identificações: Flávio Molina, Luiz José da Cunha, Miguel Sabat Nuet, Dimas Casemiro e Aluizio Palhano. 

A procuradora da República Ana Letícia Absy, uma das que atua com o tema da Justiça de Transição no MPF em São Paulo e responsável pela investigação do assassinato de Vladimir Herzog, disse que uma das partes mais difíceis do trabalho de investigação sobre os crimes da ditadura é identificar os autores.  “Um agente estatal que tortura, mata, estupra, que retira a dignidade de um ser humano, não é um herói”, afirmou. 

Já o coordenador do GT Povos Indígenas e Ditadura Militar, o “grupo caçula” da área de Justiça de Transição do MPF, criado em 2013 na 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, em 2013, o procurador da República Júlio Araújo, ressaltou que tratar das violações de direitos humanos sofridas pelos indígenas durante a ditadura é tratar de violações de direitos humanos que se repetem no presente e que “a busca por território é a questão central”. 

Último ex-preso político a ter a palavra, Maurice Politi, do Núcleo de Preservação da Memória Política, lembrou do trabalho da PFDC e do MPF em busca da transformação do antigo prédio onde funcionava a auditoria militar em São Paulo, onde eram julgados os presos políticos na ditadura, no futuro Memorial da Luta pela Justiça, que será mantido pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Para ele, o Brasil ainda tem muito potencial para novos lugares de memória, porém, faltam recursos financeiros para avançar. 

Conferência – O professor norte-americano James N. Green, professor da Brown University, um brasilianista especializado nos movimentos sociais do final da ditadura, co-autor do capítulo sobre movimento LGBT do relatório da CNV, e responsável pelo projeto “Opening the Archives”, que documenta a relação Brasil-EUA, foi convidado para uma conferência sobre a Justiça de Transição no Brasil. 

Green fez uma análise da política brasileira desde 1808, ano em que a Coroa Portuguesa transferiu sua sede para o Brasil, e a resumiu em cinco pilares: executivo forte, líderes carismáticos, conciliação, clientelismo e um forte envolvimento das Forças Armadas desde a Proclamação da República em 1889. 

Segundo ele, o avanço da Justiça de Transição no Brasil é dificultado pelas características anteriormente apontadas e também por uma transição em que os partidos políticos progressistas criados após o fim da ditadura focaram em firmar-se em vez de buscar uma agenda comum de priorização dos Direitos Humanos e de revisão da Lei de Anistia.  O professor ainda destacou o domínio do país “pelas mesmas elites políticas há 519 anos”. 

Convidada a comentar a conferência e a abrir o debate com o público, a PFDC Deborah Duprat analisou que o Brasil, além de enfrentar a pobreza, tem que lidar com outras desigualdades. “A precariedade do Brasil não é só econômica, mas de direitos”, afirmou. 

A fala de encerramento do evento foi do vice-PGR, Luciano Mariz Maia, que fez uma leitura de que os ânimos seguem exaltados mesmo após as eleições. “O país segue dividido”, afirmou. Contudo, ressaltou que a PGR Raquel Dodge deve buscar o equilíbrio entre a persecução penal responsável e a defesa dos Direitos Humanos. “O mandato da Procuradora-Geral da República demonstra que ninguém está acima da lei e procura estar junto da dimensão social do país”, disse. 

Para ele, o combate à corrupção e a luta pelos direitos humanos se complementam. “A luta contra a corrupção mostra a pequenez dos grandes. E a luta pelos direitos humanos mostra a grandeza dos pequenos”, concluiu.  

Fonte: Ascom/PR-SP (editada)

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