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Especialistas debatem em Brasília combate à exploração sexual de crianças e adolescentes

Seminário realizado pela ESMPU na última sexta-feira (24) teve como foco a proteção de crianças e adolescentes durante a realização de grandes eventos e obras. Técnicas periciais e atendimento às vítimas de violência sexual também estiveram em discussão.
publicado: 28/05/2013 01h02 última modificação: 31/03/2017 17h21

Para discutir a questão da proteção integral a crianças e adolescentes contra a exploração sexual em grandes eventos e obras, a Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) realizou na última sexta-feira, 24 de maio, em Brasília o Seminário “Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes em Grandes Eventos e Obras e Técnicas de Investigações Psíquicas de Crianças e Adolescentes”. Parceria entre a Escola e o Grupo Nacional de Direitos Humanos (GNDH) do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG), o seminário reuniu cerca de 70 participantes, entre membros do MP e profissionais que atuam na defesa dos direitos da criança e do adolescente.

A primeira conferência do dia foi ministrada pela professora da Universidade de Brasília (UnB) Maria Lúcia Leal. Pós-doutora pelo Programa Pós-Colonialismos e Cidadania Global do Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra/Portugal, Maria Lúcia falou sobre a relação entre desenvolvimento, exploração sexual e meio ambiente. De acordo com a professora, é necessário analisar os impactos do projeto desenvolvimentista capitalista pós-Segunda Guerra Mundial sobre os países subdesenvolvidos para se compreender as consequências de grandes obras e eventos sobre a sociedade e o meio ambiente. “Há uma desvantagem entre a perspectiva do patrimônio e a razão humana. São duas razões que poderiam estar muito bem articuladas se estivessem dentro de um projeto societário da igualdade, isto é, se o desenvolvimento e o crescimento fossem para todos. O que temos é um capital destrutivo, que esvazia as riquezas naturais e promove uma relação desigual entre capital e trabalho”, explicou. O resultado disso, segundo Maria Lúcia Leal, é a superexploração do trabalho, o que favorece a migração de trabalhadores, o tráfico de pessoas para trabalhos forçados ou para o mercado do sexo e a exploração de crianças e adolescentes.

Além de expor teses de diversos teóricos acerca do projeto desenvolvimentista, a professora, que também é coordenadora do Grupo de Pesquisa sobre Tráfico de Pessoas, Violência e Exploração Sexual de Mulheres, Crianças e Adolescentes (Violes/UnB), falou sobre a questão do atendimento dos casos de denúncia de exploração sexual de crianças e adolescentes, enfatizando a necessidade de monitoramento dos grandes empreendimentos e da realização de estudos mais sérios sobre os impactos dessas obras no contexto social.

Segundo conferencista do seminário, o procurador da República Eleovan Mascarenhas, auxiliar da Comissão da Infância do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), apresentou o tema “Pornografia, transfronteiriços e turismo sexual”, baseando-se em pesquisas sobre turismo sexual no Brasil, relação entre grandes obras e exploração de crianças e adolescentes e impactos de grandes eventos como a Copa de 2010, promovida na África do Sul. Algumas conclusões desses estudos revelam a influência de fatores socioeconômicos, morais e culturais sobre o problema e chamam a atenção para a necessidade de atuação articulada dos órgãos governamentais no enfrentamento da exploração sexual de crianças e adolescentes. “É necessário assumirmos uma responsabilidade conjunta institucional e com a sociedade. Precisamos deixar de ser ingênuos, pois esse não é um trabalho para heróis, é um trabalho coletivo”, alertou.

O procurador falou ainda sobre a questão da pornografia e de sua relação com o tráfico de pessoas e com o sequestro de crianças para a produção de material destinado aos sites de pedofilia. Mais uma vez, lembrou a importância da articulação entre instituições que combatem esses crimes, mas ressaltou que a repressão ao consumo de material pornográfico é medida crucial para enfrentar as redes internacionais de pedofilia e tráfico de seres humanos.

A outra etapa do seminário foi dedicada ao debate sobre técnicas de investigação psíquica e protocolos de oitivas de crianças e adolescentes. Lilian Stein, professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, trabalha com oitiva de testemunhas e é pesquisadora da área de falsas memórias. De acordo com a professora, os casos de abuso sexual de crianças representam um grande desafio para os operadores do direito, pois a maioria dessas ocorrências não deixa marcas físicas e ocorre em sigilo, sem a presença de testemunhas. Existem ainda dificuldades quanto à avaliação das informações prestadas pela criança durante a oitiva. “A memória humana não é uma máquina fotográfica. Está sujeita a perdas. É normal esquecer e fácil lembrar de coisas que não ocorreram, o que chamamos de falsas memórias ou memórias distorcidas”, explicou a pesquisadora. De acordo com Lilian Stein, a forma de evitar a perda de informações ou o relato de falsas memórias seria ouvir a criança o mais rápido possível, em um ambiente controlado, com o uso de técnicas adequadas e com a gravação de toda a entrevista. “Em crimes comuns, existe a preocupação em isolar a cena do crime para preservar as evidências. Isso deve ser feito com a memória também. É possível, sim, obtermos evidências robustas baseadas no testemunho de uma criança, desde que utilizadas as técnicas adequadas, que exigem um treinamento específico”, alertou.

O uso de técnicas específicas de entrevista também foi destacado pelo perito médico-legista psiquiatra Luís Roberto Benia. Ele integra a equipe do Instituto Geral de Perícias do Rio Grande do Sul, responsável por avaliações psiquiátricas em crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Durante sua palestra, o perito tratou das principais vulnerabilidades de uma criança durante a entrevista e apresentou alguns protocolos de oitiva com efetividade comprovada na investigação de casos de abuso sexual. Segundo o especialista, a criança é muito vulnerável em uma situação de entrevista e pode ser facilmente sugestionada. Por essa razão, ele defende o uso de técnicas apropriadas para esse tipo de caso. “Entrevistas inadequadas comprometem a qualidade dos relatos e acabam criando mais sofrimento para a criança, pois é necessário entrevistá-la e investigar novamente. Ao contrário, uma entrevista bem feita diminui o desconforto da criança, dá mais confiabilidade para o relato, isto é, fornece mais consistência à prova”, concluiu.

A palestra de encerramento foi ministrada pela perita médica-legista psiquiatra Angelita Rios, diretora substituta do Departamento Médico Legal de Porto Alegre (RS). Ela falou sobre o trabalho do Centro de Referência de Atendimento Infanto-Juvenil (Crai), originado por um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Anualmente, o Crai presta atendimento, acompanhamento e proteção a cerca de 1.100 crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. A perita apresentou ainda informações sobre o perfil das vítimas, a realização da perícia física, além de detalhes de recente pesquisa sobre o atendimento desse tipo de caso de violência pelas instituições públicas. “O Rio Grande do Sul tem investido na qualificação dos profissionais. Estamos longe do modelo ideal, mas avançamos bastante no sentido da proteção às vítimas. Conseguimos retirar a escuta pela autoridade policial, deixando esse trabalho para o perito criminal, evitando que a vítima passe pelo desgaste de diversas entrevistas. Durante a Copa de 2014, toda a equipe de perícias será destinada ao atendimento das vítimas”, afirmou.

No final do seminário, integrantes da plateia fizeram perguntas aos conferencistas e expuseram alguns pontos de vista sobre o tema. A atividade contou com a presença da promotora de Justiça Denise Villela, da Promotoria da Infância e Juventude do MP do Rio Grande do Sul, coordenadora do seminário; da promotora de Justiça do MP do Pará e coordenadora do Centro Operacional da Infância e Juventude (COPEIJ), Leane Mello; da diretora-geral adjunta da ESMPU, Ivana Santos; e do promotor de Justiça do MPDFT Anderson Andrade, membro do Conselho Administrativo da Escola.

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