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Especialistas debatem em Brasília combate à exploração sexual de crianças e adolescentes
Para discutir a questão da proteção integral a crianças e
adolescentes contra a exploração sexual em grandes eventos e obras, a Escola
Superior do Ministério Público da União (ESMPU) realizou na última sexta-feira,
24 de maio, em Brasília o Seminário “Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes em
Grandes Eventos e Obras e Técnicas de Investigações Psíquicas de Crianças e
Adolescentes”. Parceria entre a Escola e o Grupo Nacional de
Direitos Humanos (GNDH) do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do
Ministério Público dos Estados e da União (CNPG), o seminário reuniu cerca de
70 participantes, entre membros do MP e profissionais que atuam na defesa dos
direitos da criança e do adolescente.
A primeira conferência do dia foi ministrada pela professora da
Universidade de Brasília (UnB) Maria Lúcia Leal. Pós-doutora pelo Programa
Pós-Colonialismos e Cidadania Global do Centro de Estudos Sociais da Faculdade
de Economia da Universidade de Coimbra/Portugal, Maria Lúcia falou sobre a
relação entre desenvolvimento, exploração sexual e meio ambiente. De acordo com
a professora, é necessário analisar os impactos do projeto desenvolvimentista
capitalista pós-Segunda Guerra Mundial sobre os países subdesenvolvidos para se
compreender as consequências de grandes obras e eventos sobre a sociedade e o
meio ambiente. “Há uma desvantagem entre a perspectiva do patrimônio e a razão
humana. São duas razões que poderiam estar muito bem articuladas se estivessem
dentro de um projeto societário da igualdade, isto é, se o desenvolvimento e o
crescimento fossem para todos. O que temos é um capital destrutivo, que esvazia
as riquezas naturais e promove uma relação desigual entre capital e trabalho”,
explicou. O resultado disso, segundo Maria Lúcia Leal, é a superexploração do
trabalho, o que favorece a migração de trabalhadores, o tráfico de pessoas para
trabalhos forçados ou para o mercado do sexo e a exploração de crianças e adolescentes.
Além de expor teses de diversos teóricos acerca do projeto
desenvolvimentista, a professora, que também é coordenadora do Grupo de
Pesquisa sobre Tráfico de Pessoas, Violência e Exploração Sexual de Mulheres,
Crianças e Adolescentes (Violes/UnB), falou sobre a questão do atendimento dos
casos de denúncia de exploração sexual de crianças e adolescentes, enfatizando
a necessidade de monitoramento dos grandes empreendimentos e da realização de
estudos mais sérios sobre os impactos dessas obras no contexto social.
Segundo conferencista do seminário, o procurador da República Eleovan
Mascarenhas, auxiliar da Comissão da Infância do Conselho Nacional do
Ministério Público (CNMP), apresentou o tema “Pornografia, transfronteiriços e
turismo sexual”, baseando-se em pesquisas sobre turismo sexual no Brasil,
relação entre grandes obras e exploração de crianças e adolescentes e impactos
de grandes eventos como a Copa de 2010, promovida na África do Sul. Algumas
conclusões desses estudos revelam a influência de fatores socioeconômicos,
morais e culturais sobre o problema e chamam a atenção para a necessidade de
atuação articulada dos órgãos governamentais no enfrentamento da exploração
sexual de crianças e adolescentes. “É necessário assumirmos uma responsabilidade
conjunta institucional e com a sociedade. Precisamos deixar de ser ingênuos,
pois esse não é um trabalho para heróis, é um trabalho coletivo”, alertou.
O procurador falou ainda sobre a questão da pornografia e de sua
relação com o tráfico de pessoas e com o sequestro de crianças para a produção
de material destinado aos sites de
pedofilia. Mais uma vez, lembrou a importância da articulação entre
instituições que combatem esses crimes, mas ressaltou que a repressão ao
consumo de material pornográfico é medida crucial para enfrentar as redes
internacionais de pedofilia e tráfico de seres humanos.
A outra etapa do seminário foi dedicada ao debate sobre técnicas de
investigação psíquica e protocolos de oitivas de crianças e adolescentes. Lilian
Stein, professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,
trabalha com oitiva de testemunhas e é pesquisadora da área de falsas memórias.
De acordo com a professora, os casos de abuso sexual de crianças representam um
grande desafio para os operadores do direito, pois a maioria dessas ocorrências
não deixa marcas físicas e ocorre em sigilo, sem a presença de testemunhas. Existem
ainda dificuldades quanto à avaliação das informações prestadas pela criança
durante a oitiva. “A memória humana não é uma máquina fotográfica. Está sujeita
a perdas. É normal esquecer e fácil lembrar de coisas que não ocorreram, o que
chamamos de falsas memórias ou memórias distorcidas”, explicou a pesquisadora.
De acordo com Lilian Stein, a forma de evitar a perda de informações ou o
relato de falsas memórias seria ouvir a criança o mais rápido possível, em um
ambiente controlado, com o uso de técnicas adequadas e com a gravação de toda a
entrevista. “Em crimes comuns, existe a preocupação em isolar a cena do crime
para preservar as evidências. Isso deve ser feito com a memória também. É
possível, sim, obtermos evidências robustas baseadas no testemunho de uma
criança, desde que utilizadas as técnicas adequadas, que exigem um treinamento
específico”, alertou.
O uso de técnicas específicas de entrevista também foi destacado pelo
perito médico-legista psiquiatra Luís Roberto Benia. Ele integra a equipe do
Instituto Geral de Perícias do Rio Grande do Sul, responsável por avaliações
psiquiátricas em crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Durante
sua palestra, o perito tratou das principais vulnerabilidades de uma criança
durante a entrevista e apresentou alguns protocolos de oitiva com efetividade
comprovada na investigação de casos de abuso sexual. Segundo o especialista, a
criança é muito vulnerável em uma situação de entrevista e pode ser facilmente
sugestionada. Por essa razão, ele defende o uso de técnicas apropriadas para
esse tipo de caso. “Entrevistas inadequadas comprometem a qualidade dos relatos
e acabam criando mais sofrimento para a criança, pois é necessário
entrevistá-la e investigar novamente. Ao contrário, uma entrevista bem feita
diminui o desconforto da criança, dá mais confiabilidade para o relato, isto é,
fornece mais consistência à prova”, concluiu.
A palestra de encerramento foi ministrada pela perita médica-legista
psiquiatra Angelita Rios, diretora substituta do Departamento Médico Legal de
Porto Alegre (RS). Ela falou sobre o trabalho do Centro de Referência de
Atendimento Infanto-Juvenil (Crai), originado por um Termo de Ajuste de Conduta
(TAC) firmado com o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul.
Anualmente, o Crai presta atendimento, acompanhamento e proteção a cerca de
1.100 crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. A perita apresentou
ainda informações sobre o perfil das vítimas, a realização da perícia física,
além de detalhes de recente pesquisa sobre o atendimento desse tipo de caso de
violência pelas instituições públicas. “O Rio Grande do Sul tem investido na
qualificação dos profissionais. Estamos longe do modelo ideal, mas avançamos
bastante no sentido da proteção às vítimas. Conseguimos retirar a escuta pela
autoridade policial, deixando esse trabalho para o perito criminal, evitando
que a vítima passe pelo desgaste de diversas entrevistas. Durante a Copa de
2014, toda a equipe de perícias será destinada ao atendimento das vítimas”, afirmou.
No final do seminário, integrantes da plateia fizeram perguntas aos conferencistas e expuseram alguns pontos de vista sobre o tema. A atividade contou com a presença da promotora de Justiça Denise Villela, da Promotoria da Infância e Juventude do MP do Rio Grande do Sul, coordenadora do seminário; da promotora de Justiça do MP do Pará e coordenadora do Centro Operacional da Infância e Juventude (COPEIJ), Leane Mello; da diretora-geral adjunta da ESMPU, Ivana Santos; e do promotor de Justiça do MPDFT Anderson Andrade, membro do Conselho Administrativo da Escola.
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