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Refugiados e migrantes em Curitiba apontam falhas nas políticas públicas e dificuldades de integração

Durante o Simpósio “Refugiados e Migrantes no Paraná: Como Acolher e Integrar?", participantes ressaltaram que as políticas públicas devem cumprir o papel de acolher, proteger, promover e integrar
publicado: 09/05/2019 15h44 última modificação: 10/05/2019 18h07
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Refugiados e migrantes que vivem atualmente no Paraná participaram de uma roda de conversa sobre vivências, experiências e necessidades de migrantes no Estado

Refugiados e migrantes que vivem atualmente no Paraná participaram, na noite desta quarta-feira (8/6), em Curitiba (PR), de uma roda de conversa sobre vivências, experiências e necessidades de migrantes no Estado, que até abril já recebeu 545 venezuelanos pelo processo de interiorização do Governo Federal. Ao longo de suas falas, um sírio, um venezuelano e dois haitianos expuseram as deficiências nas políticas públicas direcionadas a refugiados e migrantes e as dificuldades de integração com a cultura brasileira.  

“A pessoa migrante migra duas vezes: quando sai do seu país e quando migra de si mesmo e passa a fazer de tudo para sobreviver”, destacou o advogado e jornalista sírio Amr Houdaiefa, que chegou ao Brasil em 2015, sem falar uma palavra em português e sem dinheiro. Vivendo no Brasil com status de refugiado, Amr faz mestrado em Direitos Humanos e Democracia e já trabalhou como pedreiro, pintor e padeiro para sobreviver. Atualmente, junto com sua esposa, produz e vende pão sírio.  

A roda de conversa integrou o Simpósio “Refugiados e Migrantes no Paraná: Como Acolher e Integrar?". Na abertura, o representante da Pastoral do Migrante do Paraná, Padre Gustot Lucien destacou que as políticas públicas para refugiados e migrantes devem cumprir o papel de acolher, proteger, promover e integrar. De acordo com o Padre, que é haitiano, migrantes são pessoas com cultura, história de vida e famílias que, por várias causas, tiveram de deixar suas terras em busca de melhores condições de sobrevivência. “E como seres humano, têm direitos que nem sempre são respeitados. Por isso, é nosso dever enquanto sociedade civil e governos juntarmos as forças para de fato acolher, proteger, promover e integrar”, afirmou.  

Além do preconceito e da xenofobia, os migrantes apontaram dificuldades básicas que se deparam cotidianamente no processo de integração, como dificuldade de alugar moradia, exploração de mão de obra, falta de documentação, escassas oportunidades de trabalho, validação de diploma e, até mesmo, a dificuldade de abertura de contas em instituições bancárias. “Parte dos venezuelanos que chegaram no Brasil são pessoas capacitadas, com nível superior e experiências. Podemos ajudar a enriquecer este país. Temos aqui uma oportunidade de progresso”, declarou o teólogo venezuelano Oscar Froilan Patrizzi Gutierrez, há um ano em território brasileiro, e que atualmente trabalha como auxiliar de produção em uma fábrica.  

De acordo com a Lei de Imigração nº 13.445, que vigora no Brasil desde 2017,  o migrante é sujeito de direitos, possuindo os mesmos direitos humanos assegurados aos brasileiros. A lei lançou  diretrizes para a formulação e o acesso de políticas públicas, para a desburocratização de procedimentos de regularização migratória e para a instituição de repúdio e prevenção à xenofobia, ao racismo e outras formas de discriminação. “Queremos felicitar o Brasil pela nova Lei de Migração, uma das melhores do mundo. Entretanto, os efeitos dos direitos previstos ainda não são sentidos de fato em sua completude”, comentou Oscar Gutierrez.  

Representante da Rede de Capacitação para Refugiados e Migrantes e diretor-geral da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU), João Akira Omoto, destacou que a roda de conversa, da qual foi mediador, inaugurou um espaço de expressão importante para refugiados e migrantes, no âmbito do projeto "Atuação em rede: capacitação dos atores envolvidos no acolhimento, integração e interiorização de refugiados e migrantes no Brasil". “Ao mesmo tempo, tornou-se  uma oportunidade de escuta para as autoridades e atores envolvidos na atenção a esse público”.  

Participação política – A importância da participação política de pessoas em situação de migração na formulação de políticas públicas destinadas a refugiados e migrantes também foi abordada durantes a roda de conversa, que contou com a participação de dois haitianos que fundaram associações de atenção a nacionais do Haiti que imigraram para o Paraná.  

Um deles é Wilzort Cenatus, estudante de Agronomia na Universidade Federal do Paraná (UFPR). No Brasil desde 2015, ele é o presidente da União da Comunidade-Profissionais e Estudantes Haitianos (UCEPH), criada em 2018 para desenvolver e valorizar profissionais. Ao falar sobre o fluxo haitiano no Brasil, iniciado depois do terremoto em 2010, Wilzort esclareceu que haitianos são refugiados ambientais, ou seja, pessoas que tiveram de deixar sua terra nativa devido a problemas ambientais. “O Brasil é diverso e multicultural. Não estamos aqui para tomar o emprego ou atrapalhar a vida de brasileiros. Pelo contrário, queremos também contribuir para formação cultural, social e econômica”, frisou.  

Presidente da Associação para a Solidariedade dos Haitianos no Brasil (ASHBRA), a fisioterapeuta haitiana Laurette Bernardin criou a organização para construir redes de apoio a haitianos, inclusive perante universidades e faculdades. Laurette contou que veio ao Brasil para estudar, mas ao chegar, não teve exatamente o acolhimento que foi oferecido no processo de escolha do intercâmbio. Frustrada ao ver que a oportunidade não se concretizou, ela precisou procurar ajuda para sobreviver e se estabelecer no Paraná. “Chegamos aqui sem conhecer a língua, sem familiaridade com a cultura, vulneráveis. Criamos a associação para ajudar aqueles que passam pelas mesmas adversidades que passei. Hoje estamos tentando vencer a burocracia e conseguir recursos para cumprir nossos objetivos”, relatou.  

Ao dar sua opinião sobre o assunto, o sírio Amr Houdaiefa, acrescentou que os migrantes e refugiados não podem ficar esperando que outros lutem pelos seus direitos. Mesmo com todas as dificuldades existentes, é preciso entender que a atuação política tem um efeito positivo e as garantias de participação política estão presentes na Declaração Universal dos Direitos Humanos. “Não é possível apenas que migrantes com poder econômico possam influenciar na política de um país. Os migrantes e refugiados pobres também pagam impostos, são cidadãos, e devem ter a possibilidade de interferir na formulação de políticas públicas”.  

João Akira Omoto acrescentou que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu a paridade de direitos entre nacionais e estrangeiros e, entre esses direitos, está a legalidade na participação política. “De uma maneira geral, a participação política é lícita, inclusive essa roda de conversa com a participação de migrantes de três países diferentes é uma forma de expressão política”.  Akira acrescentou que o Brasil precisa vencer a xenofobia institucional, enfrentando conceitos e preconceitos impregnados nas instituições. “É inconstitucional represálias políticas ao migrante que tenha uma participação política, o que não significa que não haja. Infelizmente, no Brasil, não é apenas migrantes que não têm direitos reconhecidos, mas também todas as demais minorias como negros, mulheres, indígenas, homossexuais, lésbicas”, ressaltou.  

O Simpósio – O Simpósio “Refugiados e Migrantes no Paraná: Como Acolher e Integrar? Faz parte do projeto "Atuação em rede: capacitação dos atores envolvidos no acolhimento, integração e interiorização de refugiados e migrantes no Brasil".  

A mesa de abertura contou também com a presença do procurador-chefe da Procuradoria Regional do Trabalho da 9ª Região, Gláucio Araújo de Oliveira; da defensora regional de Direitos Humanos da Defensoria Pública da União no Paraná, Carolina Balbinot Bunhak; da diretora do Departamento de Direitos Fundamentais e Cidadania da Secretaria de Justiça, Família e Trabalho do Estado do Paraná (SEJUF-PR), Regina Bley; e do presidente da Fundação de Ação Social de Curitiba, Thiago Kronit Ferro.  

No segundo dia do Simpósio, na manhã desta quinta-feira (9/5), houve o debate sobre “Política Nacional Migratória e de Refúgio”, discutindo aspectos históricos, de Direito do Trabalho e da gestão migratória em nível local; e a apresentação de experiências locais de atenção a migrantes e refugiados.  

Até esta sexta-feira (10/5), no Ministério Público do Trabalho (MPT) no Paraná, ainda serão promovidas sete atividades de formação abordando nova Lei de Migração, Lei do Refúgio, direitos e acesso à justiça; gestão migratória em nível local; direitos laborais; migração e saúde mental; gênero e direitos humanos; integração local e crianças migrantes. O objetivo é fomentar a discussão sobre a criação de políticas locais para refugiados e migrantes.  

Os eventos são realizados pela Rede de Capacitação a Refugiados e Migrantes que já levou as capacitações para Belém (PA), Manaus (AM), São Paulo (SP), Boa Vista (RR), Porto Alegre (RS), Recife (PE) e João Pessoa (PB). Para a organização da edição de Curitiba, a Rede contou com o apoio da SEJUF-PR e do Conselho Estadual de Refugiados, Migrantes e apátridas do Estado.  

A Rede de Atuação é composta pela ESMPU, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), o MPT, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), a Organização Internacional para as Migrações (OIM), a Conectas Direitos Humanos, o Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), a Defensoria Pública da União (DPU), o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), a Missão Paz e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).  

Saiba mais sobre o projeto em https://escola.mpu.mp.br/h/rede   

Acesse as apresentações do simpósio.

Galeria de fotos.

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10.05.2019 - Atividades capacitam 245 atores envolvidos no acolhimento e integração de migrantes e refugiados no Paraná

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